Nas esquinas da vida...

"Se o tivesse escrito para procurar o favor do mundo eu teria me ornado de belezas emprestadas ou teria me apresentado com minha melhor pose. Quero que me vejam aqui no meu modo de ser simples, natural e ordinário, sem afetação nem artifício: é a mim mesmo que pinto". (M. de M.)

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

"és um senhor tão bonito"



Tempo, tempo, tempo, tempo....

a noite está fria e não colabora com minhas poucas certezas que, juntas lutam para permanecer na liderança da objetividade. O brega de fundo me remete a velhas lembranças de lugares que não frequento mais. O copo vazio sobre a mesa revela meu grau de insensatez e impaciência. O cinzeiro transborda. Hoje não deito cedo. Passarei a noite em claro. Formulando maneiras de justificar minhas escolhas e fazer-me aceitá-las, sem dor e autopiedade. Busco o convencimento de que sou mais que uma pedra de aparar porta. Tenho sangue nas veias, um calor frequente, uma dor latente de existir. Porém, sou castigada pelos próprios prazeres. E sempre preciso que mais uma dose inunde meus vasos sanguíneos e uma tragada invada meus pulmões. Afastando-me momentaneamente da vida real, das pessoas reais, dos medos que são reais e absolutamente atraentes. Confesso que sou escrava de uma vida construída que, não permite erros e meia-volta, vivo presa tendo a mim mesma como carrasca. No fundo, tudo que busco é apagar teus passos. E não conseguir gera em mim uma dolorosa tortura de ter que aguardar pelo tempo, o redentor de tudo que, intencionalmente estará atrasado!

Barão da Ralé  


terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Nômade cosmopolita



Nômade cosmopolita. Personagem que demarca o espaço e o tempo da rua. Ela não se preocupa com nada, essa é a verdade. Sem respeito à boa moralidade, caminha livremente: desnuda e desgrenhada. Fala sozinha, observa os estranhos que perpassam com rapidez, olha as vitrines com luzes. Além da vida, possui muito pouco. Tudo que tem está na sacola de plástico numa das mãos. Na outra, carrega sua cama de papel. Banha-se no chafariz em frente à praça, mesmo nos dias de maior movimento. Embalada pelas buzinas, eternas companheiras de uma vida perambulante. Não senti dor, não senti fome. Alimenta-se do resto de tempo, espaço e dos papéis velhos e alheios. Nas noites de frio luxa debaixo de um puxadinho, quando não disputa o espaço com os cães e outros nômades. Sentada no chão frio, é inerte, como se estivesse num transe. Parece não ter consciência, é invisível, repulsiva, perigosa, digna de pena. Depende de quem vê. Quando a chuva da trégua. Caminha até à praia. Senta-se na areia. Observa o mar. Por minutos larga a sacola e se lança na água. Volta a ser criança, se banha, se lambuza, senti um prazer inexplicável. Só para quando vê alguns estranhos remexerem sua sacola. Corre com desespero. Cai. Levanta. Grita palavras sem sentido. Afugentando os intrusos que, de longe debocham da aflição da pobre. Passado o susto, observa os pertences, lhe roubaram nada, mas destruíram o pouco que tem.  Assustada, recua. Agarra-se a sacola e volta à praça. Com medo. Senta-se num dos bancos. Não sabe da hora e nem do dia. Quando tenta repousar, um homem se aproxima. Os olhos e o coração saltam. Quer fugir. Mas ele lhe oferece algo que exala bem. Parece apetitoso. Com certa desconfiança aceita. Cheira e ingere. Outra pessoa se aproxima e lhe oferece algumas vestes e um cobertor. Ela não entende bem, parece confusa e receosa. Mas pega os presentes e corre para se esconder. Sem dar chance de comunicação para os intrusos. Esta noite passará bem. Mas amanhã não sabe como vai ser. E juro, que isso  não lhe tirara o sono no novo cobertor.
Porque só o dia será novo,
já que a caminhada é antiga.
Só disso que sabe.


Barão da Ralé