Nas esquinas da vida...

"Se o tivesse escrito para procurar o favor do mundo eu teria me ornado de belezas emprestadas ou teria me apresentado com minha melhor pose. Quero que me vejam aqui no meu modo de ser simples, natural e ordinário, sem afetação nem artifício: é a mim mesmo que pinto". (M. de M.)

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Carta ao Humano


Carta ao Humano.
Em geral, as pessoas se comportam de maneira animalesca, fazem das palavras garras pontiagudas que atingem o amago. E lá permanece durante anos, penetrando a carne já vivida, não permitindo que a dor cesse. De múltiplas formas existe uma defesa que não servirá ao propósito, haja vista, que não há compreensão, respeito, nem um pingo de tolerância. Olhar para o umbigo e ter como plano de fundo a própria barriga e as pernas é fácil, é limitar-se a isso e desejar que o restante imite. Egoísmo estrutural que rompe a carne para atravessar o coração do iludidos. Não se pode ser tão bom, o ser natural sempre será bruto como a pedra que brota da terra, como cachorro do mato. Tente observar no espelho a imagem disforme que se apresenta horrenda, marcada de sangue, sol e suor. Se for da água quente que se tem medo, não é de felinas maledicências que se fugirá?! Só sei que cansado meu corpo está de tanto lutar a contrapelo neste mar de ilusão, mentira, ditames de ordem torta e convencional, pessoas brutas, ignorantes e azedas. Não quero ser estéril como a natureza morta que brota dos teus lindos lábios quando emites um som! Não há vida, só tristeza, devassidão de quem ainda não aprendeu a andar fora do brejo. Dou por mim, o fim, talvez, por ausência de paciência, vontade, cheiro, excitação. Ou por que, sou homem por demais para aceitar o orgulho ferido e as dores que retornam quando dou de frente com tua figura maléfica, ardilosa e amada.  Diga que sou fraco, ande. Diga que sou afoito. Sou isto depois de ti. Devo ser lúcido, calmo e esperançoso. Porém, não posso mais ser assim, destruístes o que havia aqui. Me expurgastes ao limbo. E o que resta são fragmentos do que fui, unidos por veias e sangue do que me tornei hoje.   

Barão da Ralé

Presa

O rótulo de doidivanas antecede o ser mulher que é. Isto por que, valoriza o que tem no corpo e o que faz da vida, sem somar o apoio e opinião de terceiros. No fundo, não chega a ser inconsequente, contudo, gosta de fazê-los pensar que é. Não há dia para beber e sair. Com a flor no cabelo segue até a baixa paisagem e cartão postal da cidade. Não busca nada além que um copo cheio de cerveja, admirar o rio-mar e conversar a toa. Apesar de algumas preocupações, ali quer se desprender, esquecer por algum instante o que lhe aguarda. Acende o cigarro e observa as mesas ao lado onde estão alguns homens que parecem ter vindo de mais um dia cansativo de trabalho assalariado, mas, estão ali em busca de boa sacanagem. Piscadas são retribuídas com um lindo sorriso. Mais além, há um casal "hétero", parecem bem, conversam e riem.  E nesse mar de gente que se apresenta nada lhe chama mais atenção do que o próprio copo cheio de cerveja. Joga conversa fora enquanto algumas pessoas param para ver o sol deitar. Quando a noite chega tudo se transforma. A paisagem que antes era urbana e diacrônica torna-se palco de exibições múltiplas, desejos a flor da pele, luxúria e disputa. Os cordeiros são lobos maus prontos para arrebatar suas possíveis presas. Neste universo o ser mulher  ou o que se parece é o objeto de desejo fálico. Aquilo assusta e num só tempo excita. Os homens embriagados tornam-se machos sedentos que, se levantam de suas mesas e caminham em busca das fêmeas. Brigam por ela, disputam seu olhar, entre "psius" e investidas audaciosas de toca-la e elogia-la. De tudo isso, os risos são inevitáveis, ser cobiçado, peça rara, leiloada na mesa redonda de bar de feira. Aquilo é instigante. Cobre a presa de luxúria e ira. Fome e sede de sexo, tapas e mordidas. Num piscar, a atenção é furtada, com a promessa fácil de amizade. Já não há pressa e retorna ao lugar do ser mulher. Gosta da ideia, com isso, mal percebe o lobo que rasteja para perto dela em pele de cordeiro. Cai em si, ainda sim, deseja ver onde terminará. Quem sabe num banheiro sujo de quinta categoria, numa parede marcada por números de telefones, nomes e marcas de bocas com batom. Ali é abatida, seminua, entrega-se a qualquer. São bocas que se encaixam lascivamente, bicos de seios em rije desejando ser sugados, bucetas acariciadas... e o tempo bate a porta. Já passa da meia noite e o encanto termina. Os homens que tanto a desejaram ficaram suspirando do lado de fora, observando a sortuda com ira e demonstrando a presa o que ainda tinham a oferecer por debaixo das calças. Ela limita-se a sorrir, até deseja experimentar uma dose daquela desventura, porém a noite terminará ali. Precisa terminar ali, pensa ela sorrindo.

Barão da Ralé

domingo, 17 de junho de 2012

Sentimentos



É tão bom poder escutar Naná Caymmi novamente e não chorar. Além de somente lembrar os bons momentos vividos contigo, recordo ainda que nunca será tarde para viver o amor que sentimos um pelo outro. Basta deixarmos as armas sobre o chão, segurar minha mão e me convidar para mais uma caminhada contigo. Eu irei, mas saiba que continuarei a mesma, ainda sim, quero ir. Me leve. Desperte-me. Faça-me rir a toa. Olhar-te admirada escutando tuas histórias. Regados por uma cerveja gelada e um barulho incessante do mundo que não ouvimos quando estamos um com o outro. E no final da noite, me leve em casa, durma comigo, façamos amor. Daquele jeito suado e sacana. E deixa-me falar que te amo. Será verdade. Já no dia seguinte não sei. A magia termina. Os olhos não cintilam mutuamente. E mais um dia vais embora sem sabermos por que andamos distantes. Ainda sim, escuto Naná, é minha esperança, é o que mantem a chama acesa. É o assunto da próxima conversa. Seja o que for.     


por Sara Suliman

Amante


Adeus.
E com um copo vazio permaneci sentada na cozinha de casa. Tão logo as lembranças inundaram o recito e revivi o momento do encontro. Exatos 14 anos da minha vida doados a alguém que sempre quis bem. Ciente que o oferecido seria uma garrafa de café preto, um jornal e batidas na porta durante a madrugada ou quando desse na telha. O dia seguinte era outro e seguia. Era pegar ou largar. Mas a safadeza e a luxúria impediam-me de largar o gosto do gozo na boca e na alma, das noites e madrugadas em claro, que entre sexo e cigarros, conversas e afagos, me levaram ao pior dos sentimentos, o amor. De encontros na pracinha, no bar da esquina, até minha cama, o não era sim, e o sim era não. Trabalhava, pagava minhas contas, ia à vendinha. O coração era sempre apertado. O papo furado com as amigas e o olho espichado no relógio. Vez ou outra chegava um recadinho num pedaço de papel. Era toda felicidade. O bolero começava tocar cedo em casa. O vaso ganhava flores. Vestia o melhor dos vestidos. Acendia um cigarro e no fim da noite a carteira findava. O bolero cessava no rádio. E tu não vinhas. Ficava desgrenhada com meu vestido encolhida na cama. Jurando que outra promessa assim eu não cederia. Mas era pura ilusão passageira que me confortava naquela noite fria. Um dia qualquer na minha vida, encontrei-o. Moço, alto, sorriso largo e solteiro. Seria justo não. Tu para lá e eu para cá. Mas vez em quando poderia me procurar. Contudo, Raimundo não aceitou e depois de escutar minha proposta e explicação, tudo que disse foi adeus. E com o copo vazio que ele bebeu a dose permaneci sentada na cozinha de casa, até que as lembranças do dia que o conheci surgiram. Algumas lágrimas molharam meu rosto. Porém, pensei nos exatos 14 anos que dediquei a Raimundo. E deixei que fosse.    

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Segunda-feira




Pedi uma cerveja e um copo. Sentei-me à mesa de costume. Hoje o boteco está vazio. Só os fregueses de costume batem ponto. No rádio toca uma música familiar. É apenas segunda-feira. Enquanto, tomo um gole gelado, penso que na vida toda tive pouca esperança, mas hoje bem que eu poderia te ver. Não sou de romance, mas se quisesse ser, essa era a oportunidade perfeita. Que figura, mexe comigo, me faz sentir jovem de novo. Vivo hoje pensando no amanhã, já que quando chego em casa, o silêncio é minha companhia. Ando pela casa tentando encontrar uma saída, porém, sei que ela está aqui. Peço uma porção de pastel do bar e mais uma cerveja. Parei de fumar pela milésima vez semana passada, mas assinalo ao homem do balcão uma carteira. Hoje não tenho hora, como todos os dias. Já fui mais vivido, batia ponto nos bordéis, nos bares chiques, pedindo sempre conhaque e uísque. Quando olho o movimento da rua, sempre vejo teu rosto num qualquer. Meu coração dispara. Esboço um sorriso, indagando-me porque espero horas para te ver. E a explicação vem num outro gole gelado. Ah! Que delícia! Na outra mesa uma coroa me observa, sinaliza um brinde, piscando, sorrindo e me convidando para sentar com ela. Será mais uma, entretanto, não me faço de rogado. O papo flui entre “oi”, “tudo bem”, “vem sempre aqui”, “que tarde quente”. Esta é Joana. Diz que me observou desde que cheguei, escutou-a com pouco interesse. Quando pensei em falar algo, minhas palavras se diluíram com a vinda dela. A tarde inteira esperando aquele momento. E ela sorri, mexe nos cabelos negros, olha atenta para atravessar a rua. Com meias três quartos e saia plissada azul marinho vêm de braços dado com outra amiga. Quase consigo sentir o cheiro que exala. E de fundo apenas sinto o insistente cutucar de Joana nos ombros. Ela se aproxima, pedi um suco e bolo. Sentam-se a mesa e riem. Falam efemeridades e eu desejo vulgaridades, imoralidades e insanidades com aquela menina. Joana consegue me tirar do transe e a olho atônito. Esboço um sorriso amarelo e peço desculpas. Ela não percebe ou finge não perceber que desejo aquela pequena. Continua falando “sim, eu dizia” e eu não tiro os olhos daquelas meias brancas. Dos joelhos lisinhos e roliços, das coxas semi cobertas por aquela saia azul marinho. E graças ao calor que faz, ela abre alguns dos botões da blusa, me fazendo estufar a calça. Já não me importo com o mundo e nem com Joana (que continua falando), só com os farelos de bolo que insistem em cair por dentro da blusa e com os dedinhos que limpam a boca risonha. Contudo, para minha enorme tristeza, o bolo se acaba e a ninfa se vai. E volto a observar o bar e Joana, que agora se retoca, passando um batom jabuticaba nos lábios. Do bar, vamos parar um motel barato e Joana sensualiza, tentando me deixar aceso. E as meias brancas e a saia azul não saem do meu pensamento. Aquele sorriso maroto e os cabelos negros da pequena. Joana dança e chama por mim. Coloca minhas mãos em seus seios, fala obscenidades e me surpreende com palavras ao pé do ouvido: “finge que sou aquela garotinha”.


Barão da Ralé