Nas esquinas da vida...

"Se o tivesse escrito para procurar o favor do mundo eu teria me ornado de belezas emprestadas ou teria me apresentado com minha melhor pose. Quero que me vejam aqui no meu modo de ser simples, natural e ordinário, sem afetação nem artifício: é a mim mesmo que pinto". (M. de M.)

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Farelos de ti



Farelos de pão na mesa.
Um copo pela metade de café com leite.
Uma faca suja de margarina.

Estarrecido na cozinha, não acreditei.
Televisão ligada no quarto.
Caminhei calmamente até lá.

E a vejo deitada de bruços na cama...
Com um blusão velho meu.. Cabelos em desalinho..
Pernas entre abertas.. Linda.

Da porta olhei, na porta fiquei.
O que ela estava fazendo ali? Por que retornara?
Não a acordei.
Não vi você chegar! – ela comentou e me abraçou por trás.
Tirei suas mãos e as segurei olhando firme nos olhos..
O que fazes aqui Chanel? – Ela me olhou surpresa.
Não tem nada para comer, morro de fome – ignorou minha indagação. E fui falando atrás.
Não querias liberdade? Sair com os amigos? Viver sua vida? Então vá. Sabes quantas noites fiquei chorando por ti? – tentativa de compaixão em vão.
Ah João, tenha dó, não fique se lamentando, estou de volta – falou ela comendo uma maçã.
Vamos aproveitar, vem, vamos pro quarto, senti saudades – se aconchegando nos meus braços e peito.
Não te quero aqui, por favor, saia!!! Estou esperando alguém – tentei contornar.
Você? Esperando alguém? Tá de brincadeira comigo!! [risadas sarcásticas]. Você não faria isso nunca – falou com propriedade.
Vem aqui comigo, estou com dor nos pés – Quase ordenando manhosa.
Essa é Chanel, conhecida assim pelo corte de cabelo usado desde que se entende por gente. Dona de si. Vaidosa. Sempre consegue o que quer. Inclusive a mim.
Hummmm isso amor, só você sabe fazer essa massagem – dizia ela deitada, suspirando.
Deixava-me louco. Tinha as pernas magras. Mas as coxas eram formosas.
Com a perna esquerda sobre a minha, massageava seus pés, observando por entre as coxas. Que linda paisagem.  
Mais acima, estavam os seios bicudos na blusa de algodão velha. Cada ponto massageado no pé era um gemido e uma mordida no lábio.
Dos pés não resistia. Subia para as pernas e delas para a coxa e de lá ao paraíso.
Mais uma noite de amor. Mordidas. Tapas. Gemidos intensos.
Manhã seguinte - já sabia o lugar - olhei para mesinha da televisão, lá estava o bilhete:
Joãozinho,
Sabes que te amo, mas tenho que sair hoje, vou pra Bahia.
Talvez volte qualquer dia.
O certo é que tô vivendo, eu tô tentando, desculpe-me, mas nosso amor ontem foi um engano.
Beijos
Chanel

Apenas abri a gaveta do criado mudo e joguei o bilhete lá dentro, junto com centenas de outros que ela já me deixou...


domingo, 19 de junho de 2011

autobiografando


O que acontece do lado escuro da vida?
O poeta não me respondeu.
Observo da janela de casa a luz no fim do túnel.
Estou aqui sentado, fumando um cigarro, olhando o sol descer.
Mais um dia, penso comigo.
Cartas acumuladas na porta, louças sujas na pia, mensagens na secretária eletrônica.
E as pessoas na sala de jantar?
O que comem?
Tenho fome.
Sede.
Ambição, nenhuma.
Minha depressão é por opção.
Simplesmente me cansei de sair,
olhar as mesmas caras tristes,
que fingem que a gente não existe.
Dizem que o mundo é um moinho,
que tritura os sonhos...
disso não sei dizer.
Alheio as qualidades,
perco tempo e talento escrevendo, me autobiografando em pedaços
guardanapos.
Fico por aqui, já é noite. Começa tudo de novo,
agora é a vez de ver a lua.




sexta-feira, 17 de junho de 2011

O bom filho retorna ao lar


Baseado em fatos reais, a história de Claudio me chamou bastante atenção, fiquei emocionada quando escutei. Trago-a aqui sem enfeites poéticos.



 “Mamãe, restou-me alguma roupa de quando era homem?” – Perguntou ele.

Depois de anos fora de casa, Claudio regressou.
Chegou magro, mal trajado.
Sua mãe o recebeu, abraçou, beijou.
Perguntou se tinha fome. Se queria tomar banho.
Conversaram por horas, até o pai chegar.
Ele foi mais rude. Indagou pelo paradeiro, o que tinha feito, e por que estava vestido daquele modo.
Os ânimos exaltaram-se, Claudio mais uma vez deixou seu lar.
Sua mãe ficou na porta chorosa e o pai resmungando dentro de casa.

Com 20 anos Claudio saiu de casa vestido de mulher.
Com 2 malas, ali levava até sua alma.
Não olhou para trás.
Trabalhava na noite, na esquina da Riachuelo.
Teve muitos casos. Amores. Aventuras. Paixões.
Até juntar-se com Noel.
Homem rude, trabalhador, apaixonado.  
Claudia – agora – continuou trabalhando.
Sempre quis ter seu dinheiro.
Noel não se importava, achava digno ela querer ter sua independência.
As aventuras aumentaram. Claudia agora fazia com três, quatro, cinco.
Em apartamentos de luxo e nos covões escuros.
200, 300, 700 reais numa noite.
Habilidosa e charmosa.
Recebeu uma proposta.
3 mil reais.
Um final de semana em hotel de luxo.
Única condição.
Deitar-se sem proteção.
Não contou nada a Noel.
Foi fazer seu trabalho.
Parecia homem de respeito.
Rico, bem influente, daqueles políticos.
Segunda-feira estava de retorno.

Dia qualquer, acordou cedo, foi lavar as roupa, cuidar da casa.
Hoje não iria trabalhar.
mas sentiu-se mal. tontura, suor frio, febre. mal conseguia ficar de pé.
Ligou rapidamente para Noel. Foram ao hospital.
Uma bateria de exames.
6 da tarde do mesmo dia. Um homem de branco entrou no quarto.
Pediu que Noel também se submetesse a exames. Meio contrariado aceitou.
Na manhã seguinte o veredito.
Chamados um por um em sala diferentes.
O médico perguntou a Claudio,
“Você tem mais de um parceiro?”. “Não, Noel é meu único parceiro”.
“Você fala a verdade?”. “Não... sim! Sou garota de programa, mas nunca me deitei sem...”. Lembrou-se do fatídico dia.
Um calafrio tomou conta de seu corpo e na cabeça veio a única condição do cliente. Não esboçou reação alguma. Indagou por seu tempo de vida.
Na outra sala, escutou-se cadeiras sendo arremessadas contra a parede.
Noel entrou pela sala onde estava Claudio e quis surrá-lo.
Foi impedido.
Agressivo, ora chova, ora gritava. Andava de um lado para o outro da sala com as mãos na cabeça.
Não aceitava a condição.
Claudio permanecia do mesmo modo que fora jogado no chão.
Os dias se passaram. Noel abandonou Claudio. Levara consigo todo o dinheiro dos programas.
Claudio ainda permaneceu na casa. Deprimido.
Tinha que comer e pagar o aluguel.
Fez alguns programas enquanto tinha forças. Agora 20, 25 reais.
Até o dia que acordou cego. Foi levado ao hospital rapidamente.
Percebeu que era hora de voltar
Cortou os cabelos. Pegou roupas velhas de Noel e foi até sua casa.  

“Mamãe, restou-me alguma roupa de quando era homem?” – Perguntou ele.

Viveu por mais alguns meses. Os pais o aceitaram de volta.
Passou dias difíceis.
No dia que morreu, foi o dia mais lindo do ano.





mEaNiOs


“Sei que podes mais”, ele me fala.
Mais o quê?
Mais aonde?
Mais pra quem?
Mais do quê?
Mais Mais Mais Mil Vezes Mais.

Não quero mais, quero menos.

Quero menos perturbação.
Quero menos contas pra pagar.
Quero menos dia [risos].
Quero menos angústias.
Quero menos responsabilidades.

Não preciso de mais quando o que menos quero e mais!

Trocadilho sacana e verdadeiro.
Acordei assim mais sincero e MENOS  preocupado.


Vadia-gem perambulante



[Numa mesa de bar qualquer]

Sinto-me como Bukowski em O amor é um cão dos diabos.
Tenho alguns contos por acabar.
Algumas contas para pagar.
Alguns compromissos...
Mas a cama me parece mais interessante companhia
de dia
e da noite.
A lixeira transborda, com meus restos de ilusão
sonhos
planos
vida
amigos
marido
mulher
e filhos.
Será que posso só sentar e beber? Você deixa?
Não quero conversar a respeito. Prefiro o silêncio.
Vamos olhar as moças rebolantes. Peça um copo.
Beba comigo! Ao menos isso!
Não me julgues assim. Entenda que não tenho respostas.
[silêncio]
Certo. “Viva feliz com sua vida perfeita.” [ risos]
Certo. Sou errado. Perdi tempo, dinheiro e talento ao longo dos anos.
Certo. Diga o que quiser.
Nada me ferirá mais.
Mas saiba de uma coisa Robert, no céu há lugar para homens de todos os tipos. [risos miudinhos de puro sarcasmo]
Por isso não me preocupo. Deus é um grande ... irmão [risos].
Já vais? Nem bebestes ainda.
A propósito sinto falta de nossas bebedeiras.
[olhares recíprocos e tortos]
Vá! Tá ficando chato mesmo.
Nos encontramos novamente.




Lavando roupas



Ontem estive conversando com minha mãe.
Percebi o quanto longe dela eu estava.
Filho desnaturado, cedo sai de perto e hoje não consigo reconhecê-la – Nem ao menos sua feição.
Parecia viver algo bom. Tempos modernos. Tempos de credulidade.
Tempestade em copo d’agua, tudo foi ralo abaixo.
Gelo e dois dedos de água quente.
Noite em claro. Celular desligado.
Quarto sujo.
Hoje percebo que a máxima é recíproca e verdadeira – criatura difícil sou eu,
de se entender
de se relacionar.
Não sei bem por onde essa verdade vai me levar,
Espero que não me faça perder mais coisas do que já perdi,
E deixar de fazer o que realmente quis fazer.
Amigos de hoje,
Amigos de outrem,
Por onde os encontrei?
Agora dois dedos de cachaça e mel.
Ah,  e um cigarro!
Sinto-me tão bem, dia azul, sol brilhante,
assim como no dia que morri.
[risos miudinhos]
[cinismo]
Estou de volta.
Aqui me tens de regresso!



quinta-feira, 16 de junho de 2011

De pazes com meu eu-lírico

Para meu Barão.




Eu voltei. Para o prazer e deleite de todas.
Sabia que isso duraria pouco tempo. Ela não vive sem mim.
Sou seu homem, seu ideal, sua grande ambição e sonho realizado.
Sou Barão.

Ela foi me buscar em casa. Implorou meu retorno.
Com o cigarro no canto da boca, olhava-a pelo fininho do olho,
eu a amo, mas não nego que gostei de vê-la rastejar.

Peguei-a pelas mãos – como bom malandro que sou – e as
beijei.
Sou louco por essa mulher, ela me criou, me trouxe para o real.
Passei dias e noites em claro, imaginando por onde ela estaria – Jorge sabe das minhas angústias.
Não quis nem pensar com quem poderia estar.
Mas ela voltou. Veio me buscar. Levou-me para o aconchego dela.
Espalha ai, que estou de volta.



quinta-feira, 9 de junho de 2011

Am I blue?

[Ela segurou a maçaneta e o olhou pela última vez]
Apenas o silêncio.
Ela não disse mais nada.

Na vida tem dessas coisas. Às vezes somos mal interpretados e não temos a chance de redenção.
Sinto em mim um vazio de lágrimas contidas e palavras não ditas.
Mas o que posso fazer? Se se quis assim.
Sento na sala vazia, observo as poucas fotos que temos e vejo o quanto estou sozinho.
Não tiro sua razão. Errei. Feri.
Mas sinto saudades.  Quero-te de retorno.
Achas mesmo que não gostava de ti?
Sei que meu samba e vícios ti incomodavam, sei também que não fiz nada para evitar.
[Ele sentado na sala, olhando para a foto dela]
Hoje não fumei. Acreditas?

Coloco o disco do Cartola, o amigo que antes me animava hoje me consola.
Ando pela casa despreparado,
não sei onde se guardam os fósforos. 
Procuro uma camisa limpa,
A sandália,
Um copo que seja, tudo sujo.
Ando desgrenhado. Estou menino de rua.
Por onde andarás? O que tens feito?


[Observando a rua pela janela]
Ah mais se tiver com outro, JURO QUE MATO!
Veja o que digo, ando sem juízo.
Meu grande amor me deixou. [Já se conformava]
[Alguém bate a porta]
[Ele levanta cambaleando, sem vida, descabelado, em direção à porta]


Podemos conversar? ela pergunta.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Não se assuste





Quero escrever algo novo, mas sinto que as melhores coisas a serem escritas já foram ditas. Estou passando por uma profunda crise com meu eu-lírico. Ando sem inspirações!
Me pego sentado num boteco de esquina, com um cigarro pela metade e um toco de lápis rabiscando uma folha de papel qualquer. Mas nela estão apenas riscos. Tenho alguns contos inacabados, mas que não fazem menor sentido.
Por onde me perdi? Em qual esquina da vida?
Cadê a morte, o castigo, a traição, o sangue?
Viajo na perdição dos meus pensamentos, estou angustiado.
Quando penso em algo, ela canta. Não tenho razão para existir.
Já sou Barão sem ser? Vivo na sarjeta da insatisfação.
Ah quanto drama! Isso não é do meu feitio!
Muda Barão! Aceita que mudastes!
Barão e ela costumavam ser um só!
Mas hoje ele não faz parte das decisões dela!
Sente-se traído!
Com razão.
Isso é questão de tempo, a crise passa, ele retorna, reinante e brilhante.
Afinal, artista que é artista deveria saber separar o real do ficcional. Mas não se faz!  Ele sabe que ela tem alma de artista...
Ou tinha!
Não me abandone, ele diz a ela.
Ela entra no carro e segue pra estação.
Deixou-me o apartamento, alguns livros e filmes.
Uma garrafa de cachaça e uma carteira de cigarro.
Ele sabe que pode voltar, mas prefere não iludir.
Afinal, ela tem alma solta.
Ele olha a sala, as fotos dela, os copos, os quadros. Não pode permanecer ali, tudo lembra ela.
Bati a porta e vai esperar por ela em outro lugar. Ela vai voltar pra mim!
Ela segue seu caminho, rumo ao norte. E ele permanece onde foi criado.
Mais do que nunca aqui é minha catarse! Não se assuste!