Nas esquinas da vida...

"Se o tivesse escrito para procurar o favor do mundo eu teria me ornado de belezas emprestadas ou teria me apresentado com minha melhor pose. Quero que me vejam aqui no meu modo de ser simples, natural e ordinário, sem afetação nem artifício: é a mim mesmo que pinto". (M. de M.)

domingo, 27 de dezembro de 2015

Dezembro





Um copo pretensioso de cerveja e um aceno com a cabeça selariam a união entre estes dois corpos dispares, atemporais, solitários e nus. Em um sábado escrito no cosmos, eles trocaram palavras, olhares maliciosos e desejosos, mais um copo de cerveja, quem sabe? Sem perceber, eram conduzidos para um encontro de amor, um sentimento que palpitaria no peito, gritando, ousando se mostrar em público, desejoso de carícia,  de aconchego entre as pernas, de mãos entrelaçadas e acarinhadas. "Meu deus, que onda enorme me abate!" - exclamava ela em pensamento, sem compreender que estava envolvida até os fios cacheados de seu cabelo nos dedos dele enquanto ele a puxava para um beijo com a boca quente e ávida. Quanta malícia, quanto querer, proibido, mas querido. O tempo era curto, mas naquele momento transcorria lento, enquanto os lábios deles se sentiam pela primeira vez nesta existência, suas línguas enlaçavam-se, e suas salivas escapavam pelos cantos das bocas famintas. Ainda que o efeito do álcool os deixasse em dúvida, ambos tinham certeza de algo, queriam se tocar, precisavam se tocar, talvez ele mais do que ela, mas ela tinha certeza que queria ser possuída por ele. A cerveja chegava ao fim, o tempo corria acelerado, era próximo de meia noite e ambos precisavam acordar daquele delicioso transe, daquela atmosfera mágica que estavam envolvidos...ele disse "vem comigo", ela respondeu "eu vou"..., e fitou com certeza aqueles olhos esverdeados, jade, noutros azuis, e soube que embarcaria num amor jamais sentido, jamais experimentado, jamais saboreado.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

"Dois anônimos no paraíso"



Ele me recebeu com um beijo cheio de saudades. Me admirou, cheirando o pescoço e os cabelos desejando me tocar. Partimos para nosso ninho onde a rua serviu de sala de estar, nosso alimento a cerveja e o salgadinho de pacote. Dormíamos e banhávamos em motéis baratos. Quando cansados caminhávamos ora de mãos dadas, ora separados sob a lua ou o sol. Riamos, brigávamos, nos amávamos, cantávamos canções um para o outro. Juras de amor e promessas, que jamais serão cumpridas, eram proferidas. Foram talvez dois dias que pareciam dois meses, quem sabe dois anos. Sentados em um lugar qualquer na madrugada eu tinha a sensação de que o conhecia desde sempre. Quando ele me amava via em seus olhos algo familiar. Porém, a hora era nossa grande inimiga, correndo sempre depressa desejosa em nos separar. Quando queria ir embora não conseguia, e assim ia ficando vivendo aquele amor tão intenso, sentindo aquele prazer tão gostoso, gozando de tesão e luxúria. Neste instante, eramos amantes totalmente loucos, confundidos com casais apaixonados, confidentes, inimigos e amigos. Mas, desse amor restou pouco: arranhões, marcas roxas, uma boca seca, corpos doloridos e muita saudade. No fundo eu desejava viver tudo outra vez, não queria ir embora jamais desse momento, pretendia casar neste espaço de tempo e ali viver com o amanhã sempre nascendo para nós dois na rua, à margem da pista principal, sob o olhar dos transeuntes. Contudo, ao fim, acordei desse sonho na porta de casa e sem Meu Amor. 

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Eu não sei ver na escuridão

Ele diz me amar, mas eu sei que no fundo teme este sentimento. Não quer de modo algum se envolver e se ver atado em minhas teias. Teme ver sua imagem de bom moço arranhada, teme desagradar seus amigos e até inimigos, teme perder o que acredita ser seu: sua família. Diz que sou linda, especial, cheia de virtudes, mas que sou eu a culpada pelas loucuras que decidir fazer entre quatro paredes comigo. Ah, olhos cor de mar encantadores e reveladores de grande tesão e luxúria. São eles que me encantam enquanto promessas são disparadas da boca aflita. Que diferença faz? Tudo tem um preço, hora e dia marcado. É nisso que se resume todo seu amor. Ah, claro, e em cervejas. Muitas cervejas. Ele diz que deseja que eu vá com ele, mas tem medo, chora quando leio um texto bobo e não para de olhar o relógio. Que sorte ela tem ao lado dele, penso. Que sorte tem eles do carinho que recebem dele, penso. Sempre o observo falando da vida; de como é difícil planejar a agenda da semana; de como o dinheiro é curto; e o trabalho que hoje foi pesado. E eu com isso? Eu queria somente ter mais tempo, quem sabe mais espaço, quem sabe esse amor de verdade que ele diz. Caminhando pela rua lembro que estou com ele, que juntos projetamos sonhos modestos, que o amor não sabe esperar e a saudade dói. Pelo menos para mim. 
Mas, meus cabelos entram pela boca e olhos, o vento bate forte e a poeira sobe, e caiu em mim que não sei ver na escuridão e, finalmente, apanho o ônibus.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O ferrolho e a vida

O ferrolho da porta principal de casa, como sempre, emperrou. Fiquei tão irritada que machuquei o dedo tentando abri-lo. Chamei um enorme palavrão.
Durante anos eu batia o dedo neste mesmíssimo ferrolho, mas somente nesta noite decidi que iria resolver essa situação.
Peguei um martelo, óleo de máquina, uma chave de fenda. Estava decidida a solucionar este problema. Gastei horas naquele ferrolho maldito, e só consegui entorta-lo mais. Já entregando os pontos, sentei no chão e fiquei observado aquele troço, meu dedo ferido e o relógio que marcava as primeiras horas do novo dia. E como sempre, eu pensei, não conseguia resolver nada, nem consertar um simples ferrolho velho. Comecei a refletir que, em minha vida até aquele momento o  que eu inventava de fazer era como aquele bendito ferrolho. Ou seja, não me servia mais, me machucava durante anos, mas eu nada fazia. E quando tentava conseguia que ficasse ainda pior. Sentada ali no chão, fui além. Pensei que ao invés de martelar o ferrolho velho sem sucesso, deveria ir logo cedo comprar um novo e trocar este que somente me causava dor de cabeça. Mas num lampejo de apego ao velho e chato ferrolho, pensei "Mas, ele faz parte desta casa, combina com a porta". Neste momento, levantei com o martelo na mão e arranquei o ferrolho da porta. No fundo, pouco importava. Nesta noite dormi com a porta destrancada, sem nenhuma preocupação de alguém perceber a fragilidade da porta e entrar. O ferrolho velho foi para o lixo, lugar onde deveria ter ido faz tempo.
Logo pela manhã fui até o velho português da esquina e comprei um modelo novo, que exigia menos esforço ao abrir. Eu mesma coloquei.
Satisfeita, bati uma foto e enviei para aquele cara que durante anos eu não tinha coragem de deixar, com o título "minha porta tem um ferrolho novo, logo, na minha casa não entras mais. Beijos e até nunca mais".
A vida teve novo sentido, o ferrolho não me irritou mais e eu comecei a entender um pouco da vida.

Olhos verdes



Num tempo tão cinza, de tantas dificuldades e amarguras, teus olhos verdes foram para mim como faróis no mar tempestivo guiando um navegante perdido. Bastou uma troca de olhares para saber que iria te amar, te desejar, querer-te sentir por inteiro. Quem diria que dois olhos verdes me fariam arder de paixão? Quem se atreveria a dizer que estes mesmos olhos seriam meus para todo sempre?  Não nego que este é meu maior desejo, maior até do que ter teus beijos, teus abraços, teu cheiro no meu corpo. Ainda que o meu horizonte se apresente turvo hoje, são teus olhos verdes que clareiam meu caminho, indicando que ainda há muito mais para percorrer. Então, não me deixe, não deixe de me olhar sorrindo com esses olhos verde-mar cada vez que te beijar, te cheirar e sussurrar em teu ouvido que te amo sempre. Hoje são eles que me guiam pelas ruas buscando encontrar o paraíso em teu abraço. São eles também que me fazem ter certeza de que não poderia morrer sem te encontrar. São estes lindos olhos verdes, que sem saber ao certo, eu pressentia faltar em minha vida. Então, meu amor, me beije e me ame a cada minuto que estivermos juntos, como se fosse o último. E, peço, jamais deixe que estes olhos verdes se percam de mim. 

domingo, 20 de julho de 2014

Nosso caso de amor




Sabes que ainda lembro-me de tua voz me pedindo para escrever sobre “nós”. 

Desejando testar minha criatividade juntamente com insanidade para descrever “nosso caso”. Confesso que jamais escrevi a respeito até hoje, talvez precisasse de mais matéria prima, memórias, palavras e imagens. E agora, ainda sinto dificuldades, me fogem as palavras que melhor podem expressar o que vivemos lado a lado em algumas horas de telefone ou em dias corridos no meio da semana. Ainda assim, nesses encontros juntávamos as expectativas, os desejos, as histórias de amores não vividos, os fragmentos de memória, os futuros pretendidos, os medos guardados e a salvação, ao final, para os dois. Me perdoa por não conseguir escrever sobre “nós”, talvez eu não ouse mesmo. Poderia falar do sexo, das cervejas, das mãos dadas ao final de tudo, do desejo de compartilhar um simples cigarro. Porém, sinto que estaria contando um conto simples, criando uma história qualquer, inventando personagens, cenários, enredo com começo meio e fim. Isso não é “nós”. Sabe por quê? Porque éramos perdidos, diferentes, reais, viscerais, violentos. E hoje, ainda somos. Porém, restaram em nós palavras mal interpretadas como ressaca de onda do mar frio junto com frustração, dor e vazio. Nada de amor, nada de futuro, nada de nós. Construímos algo, ou tentamos construir, sem atentar que nós éramos e somos formas diferentes de amar, de viver, de sentir, de fazer sexo, de beber uma cerveja, de se expressar, de refletir, de estar no mundo. Apenas e fundamentalmente diferentes. Ainda lembro de todo aquele ímpeto (tão reprimido por mim), das ressalvas sobre machismo e feminismo, da maneira de me aconselhar (planejar) sobre minha vida, falar sobre suas experiências mais intimas. Entre idas e vindas, nós pecamos. Pecamos muito. Decidimos seguir contra a maré da vida. Eu sei que um dia vais ler esse texto e vais saber que me refiro a ti. Com certeza vais discordar de algumas colocações e se puder vai me questionar. Mas se isso não acontecer, também não ficarei triste, pois eu vivi contigo. 

E “nós”, amor, ficamos em algum lugar desse percurso, não esquecidos, mas talvez como dois estranhos conhecidos. 

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Partida de futebol


Aquela era sua camisa preferida. Hoje estava certo que veria seu time ganhar. Ele não ganhava uma há 9 anos, mas afinal de contas, vê-lo em campo era sua grande paixão. Nada, nada mesmo, o fazia deixar de ir ao campo. Era um domingo ensolarado, a camisa estava velha e já puída. “Melhor assim”, pensava ele, também não pretendia chamar muita atenção na nova vizinhança. Por entre as coisas espalhadas pelo pequeno quartinho alugado na vila, buscava por um óculos escuro. Tocava os bolsos se certificando que estava com carteira, chaves e celular. Uma parada estratégica no boteco da esquina para uma sopa bem quente estava um pouco ressacado, a noite passada havia sido das boas, noite de repartir o pão e gozar do bom e melhor que o dinheiro pode pagar. Deixando o troco para o velho dono do boteco, saiu pela rua caminhando, buscando uma condução até o estádio. Observava o relógio e via que estava um pouco atrasado, já não conseguiria um bom lugar. O estádio estava lotado, era a final do campeonato estadual, ele observava o lugar, tentando dar conta do que acontecia naquele formigueiro. Uns faziam bolão, outros tomavam uma cerveja e fumavam um cigarro, rolava também um churrasquinho de gato, alguns compravam de ultima seu manto do camelô, a polícia se fazia presente de corpo, demonstrando pouca preocupação, afinal era domingo. Nada que pudesse atrapalhar seus planos. Satisfeito com a atmosfera, sem preocupação, mais um jogo, talvez uma esperança de ver o time campeão. E não é que o time jogava bem, 26 do segundo tempo, ele roía as unhas, o time fazia 2 a 1. Era uma oportunidade de ganhar e de mais uma noite regada a álcool e papo furado. Enquanto ele observava o que acontecia no campo, dois homens afoitos discutiam 5 fileiras atrás dele. Pareciam buscar por alguém, enquanto todos estavam atentos, eles subiam e desciam as arquibancadas. Passaram por ele, mas ele não deu atenção. E goooooooool. O jogo estava empatado. Chateado decidiu ir embora e bateu de frente com os 2 inquietos na multidão fanática e enfurecida pelo empate. Um deles gritou “é ele”, instintivamente ele correu por entre as pessoas. Numa caçada frenética, os 2 o perseguiram, empurrando e derrubando o que ou quem estava no caminho. Encurralado ele se lançou por uma mureta, machucando a perna e mesmo assim correu em sentido ao campo de futebol, em plena partida. E lá, esbarrando-se num jogador, caiu e vários cachorros o cercaram, ele finalmente estava preso. E ele só pensava que mais uma vez seu time não vencera. “Que lastima” dizia a si mesmo.  



quarta-feira, 12 de junho de 2013

2


Eles são dois.
Dois sentados lado a lado.
Lado a lado no assento do coletivo.
Coletivo vago, com muitos assentos também vagos. Mas eles estão lado a lado.
Não conversam. Não se olham. Mal vivem.
São dois.
Dois estranhamente conhecidos. Vivem juntos. Dividem o apartamento 208.
Mas são agora somente dois, sentados lado a lado, num coletivo vago, que não conversam, não se olham, mas tentam viver.
Viver o que um dia foi “sim, eu aceito” seguido de muitas juras de sentimentos mútuos para o restante da existência de ambos.
Talvez viver o suficiente para pagar as contas, dar uma volta do shopping e voltar para casa.
Ou simplesmente tentam viver, ansiando por sentido, como um peixe por água fora dela.
Eles agora percebem que são “um”. Sentados lado a lado. Num coletivo vago. E que devem viver.
Olham pelas janelas do ônibus buscando nas bocas dos desconhecidos respostas. Quem sabe encontrar onde falharam tempos antes. Quem sabe remediar o irremediável.
Sim, são dois, mas percebem que mesmo em meio à chuva que lava a cidade e molha suas roupas ainda podem ser um.
Independente das farpas trocadas durante o café da manhã, ele estende o guarda-chuvas e a convida para se proteger da chuva que pegou os dois de surpresa.
Ela esboça um sorriso à lá Monalisa, como se desejasse agradecer, mas logo se retrai e lembra que aquilo apenas vai durar 10 ou 16 minutos. Somente o tempo de a chuva passar.
 E tornam-se dois estranhos de novo, já fora do coletivo, aguardando a chuva passar. É só uma chuvinha, contempla ele. Ela acena com a cabeça concordando e perdida nos seus próprios sentimentos.
Você pode seguir sozinha? Tenho que ir – ele indaga.
Ela somente acena afirmativo com a cabeça novamente.
E mais do que nunca eles são dois. Cada um no seu caminho. Buscando seu sentido. 

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Descarrego consciente




Mais um ano na vida termina e outro começa. Muito do que fiz no ano findado ainda se arrasta para o ano vindouro como forma de não me fazer esquecer, sobretudo, dos erros que cometi e hoje me constituem e são capazes de manchar minha “honra e imagem”. Prestando bem atenção, não há nada de novo, somente as velhas promessas de emagrecer, realizar desejos, planos e obter conquistas que sempre sobram de outros anos e que jogamos para o próximo ano com a velha esperança de que seremos capazes nesses 365 dias futuros de realmente concretizar algo. E mais um ano começa. Contas, problemas, dissertação, namorado, família, dias cinzas do inverno nortista. Nada de novo, senão o copo meio cheio, que realmente podemos fazer algo diferente: cortar os cabelos, aderir à tendência da estação, arrumar os livros na estante, quem sabe um celular novo, parar de ser cruel consigo. Sim, sou responsável. Isso sim é novo! Uma tentativa absurda de auto incutir a ideia de que é capaz de fazer algo, quando na verdade só tem medo de assumir que não sabe por que não fez. E o ano que terminou? Todos esqueceram? Não deveríamos! Pois é sempre o ano velho que serve de trampolim para um ano novo repleto de esperanças, por isso não saímos do lugar, porque sempre há um novo ano onde se renovam ideias e sempre há espera!
Bobagem!
Não sou pessimista juro!
Feliz ano novo, vai!
Felicidades!
Saúde!
Paz!
Amor!
E claro, esperança.

Barão da Ralé.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Linha tênue



Quando alguém diz que devemos resolver os problemas no momento que eles latejam e não damos atenção, saímos andando, achando que eles nunca pesarão no bolso da calça. Lá na frente aprendemos que eles pesam e muito. Assim sou eu, com os bolsos sempre cheios de problemas, jamais dei atenção suficiente a eles, confesso que pensava ser perda de tempo, demandava atenção, força, horas do dia, compreensão, um tanto de bate boca, exigência, responsabilidades... Ou seja, dez milhões de fatores que eu acreditava poder canalizar para outras coisas na vida. Hoje vejo que estava errada. Os problemas dormiam, comiam, bebiam, namoravam, viajavam, caminhavam, sonhavam comigo! Estiveram bem a minha frente sempre! Um ano após o outro, se acumulando como dívidas com o imposto de renda, um dia me limitariam de existir enquanto ser social. Não, não estou fazendo a mea culpa, estou de fato dando vazão aos problemas. Hoje eles me consomem de uma forma que não consigo organizar minha vida por mim mesma, as coisas estão de cabeça para baixo, os problemas são os donos da casa! Estou confusa, angustiada, triste, sem vontade de sair, viver, falar, pensar, olhar, cheirar. Busco resolver as coisas, me sinto numa treva constante, mesmo com o sol enorme e brilhante lá fora. Nesse momento, vejo quem realmente poderá me suportar! Não ando tão animada, desculpe - quando um amigo me liga. O seriado da tv é mais interessante do que mesa de bar. Minha psicóloga diz que devo ser forte e sentar a mesa com o problema e negociar. Pagar em parcelas minhas dívidas, mas que não posso esquecer as pessoas, da sociabilidade, do amor, dos amigos. Como então lidar com tanta angustia e falta de vontade de ser sociável? Quanta bobagem – retruco. Ela insiste que devo ser racional, deixar de ser orgulhosa, aceitar o fato de que preciso de ajuda e que isso é sério, se continuar encarando meus problemas como supérfluos, jamais sairei da estaca zero. Ai que difícil – respondo serrando os dentes. Já encarei coisas piores na vida, engoli choro, fui forte por mim e mais um, contei os centavos, lutei e corri atrás do que queria – contra argumento expondo meu histórico de conquistas. Ela apenas me observa sem dar importância para o fato de que estou fugindo do objetivo e reitera que devo parar. Enquanto não ceder, nada será feito  - enfatiza. Não consigo – a observo com ar de dor. Sim, é doloroso, mas seja firme, acabaste de me exibir muitas histórias de superação, porque não agora?  - pergunta. Não sei, não sei bem o que sinto, o que vivo, se ainda quero viver assim – respondo.
E mais uma sessão chega ao fim, sem que um rumo pra isso seja apontado.
      

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Deus de estimação




Hoje quando acordei pedi ao meu deus de estimação que me concedesse alguns desejos. Comecei pedindo um pouco de sossego, em algum lugar onde eu pudesse ser eu mesma, sem estereótipos, sem convenções, regras, falso moralismo, contas a pagar. Somente eu, meu cabelo ao vento, sem maquiagem e o amarelo queimado do sol se deitando no horizonte. Pedi também que, por favor, não me permitisse vencer na cidade, nesta selva de clichês, pedra e cansaço. Não serei feliz, tenho certeza, que ele me leve para longe, longe das exigências, cobranças, mentiras, necessidades, vontades e solidão da parede quente do apartamento.
 Coloquei os pés no chão, as mãos na beirada da cama e observando meus dedos segui com meus pedidos em pensamento. Sei que preciso levantar hoje, trabalhar, estudar e encontrar pessoas que não gostam de mim (e fingem gostar), algumas que me amam (mas, infelizmente não posso corresponder), que não desejam nenhum pouco me conhecer (e talvez eu queira), mas “livrai-me do mau amém”, meu resquício de cristianismo. Levantei e caminhei até o espelho do banheiro, estou irreconhecível. Cabelos compridos e cacheados, rosto mais largo, dentes sem aparelho corretivo, com apenas dois pares de brincos nas orelhas e muitas pintas no rosto ocasionado pelo excesso de sol. Mas, estou feliz. Feliz por não me exigir vestir 38, por não ter cabelos lisos (que um dia quis tanto), por não ser perfeita! Feliz por ser quem sou, assumir meus desejos e vontades diante de tanta hipocrisia, imoralidade, insanidade e desejos mais sórdidos escondidos em discursos convencionais.   
Abro a porta da rua, porém, me canso só de observar o mundo que passa lá fora e as pessoas que o compõe. Preciso mesmo ir deus? Inconscientemente, respondo por ele dizendo que sim. As contas não se pagam sozinhas e algumas pessoas dependem do meu estado de sobriedade mental para também ter coragem de levantar de suas camas e seguir. Mesmo estando num estado completo de asco social, sai pela rua desejando bom dia por quem passo.
Já no ônibus, observando as pessoas pela janela, peço mais uma vez ao meu deus de estimação para que ele não esqueça os meus pedidos. Realmente, não desejo estar aqui, não fui feita para esse mundo, penso e esboço um sorriso sarcástico. Pretensão? Não! Honestidade! Deixo-o para os fortes, decididos e perfeitos! Se bem, que não vou muito longe de tudo isso que quero fugir, mas ao menos consigo ver no que fui colocada. E posso rejeitar. Tentar.
Mais um dia daquilo que não desejo eu vivo. E meus pedidos persistem no meu consciente latentes! Que mais um dia meu deus não esqueça de mim.  


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Sonhos



E se uma luz aparecer no fim do túnel, não hesite em segui-la, este é o caminho para sair do transe – dizia a psicóloga, enquanto retornava-me de uma regressão.
Desde criança tenho o mesmo sonho, estou caminhando por uma rua deserta e tão logo dezenas e centenas de pessoas me atacam, me espancam e eu morro. Porém, de alguma maneira continuo escutando o que elas dizem a meu respeito. São coisas tão ruins. No sonho chego a aceitar a morte tão brutal. E, pronto, acordo. Assustado. Cansado. Suado.
Quando fiz 15 anos escutei meus pais conversando sobre isso. Receavam que eu fosse um psicopata juvenil ou depressivo com transtorno compulsivo. Desde então passei a frequentar psicólogos, psicoterapeutas, psiquiatras, padres, pastores, centros espiritas. Pouco sucesso teve. Já adulto retornei para o psicólogo, que na realidade era uma psicóloga muito bonita, usava sempre saias de cós alto e tinha belas pernas. Só por isso já valia os 350 reais e uma hora do meu dia.
Estava com 27 anos. Solteiro. Formado. Acadêmico. Morava sozinho. Apreciava um bom vinho. Algumas namoradas, porém, ainda preferia as acompanhantes, pouco diálogo, sem cobranças, algumas noites por semana. Estava perfeito. Tinha mais tempo para ler, estudar e assistir meus filmes prediletos.
Não sabia bem do meu futuro. Jamais fiz algo grande na vida. Não me destacava na escola e durante a faculdade o ritmo de manteve. Porém, vieram os casinhos, os primeiros cigarros e baseados, as festas, as discussões filosóficas e teóricas a beira do rio, os amigos... Que saudade tenho deles. Faziam-me sentir vivos.
Os dias pela minha janela eram sempre cinza. Poucas vezes ia à praia apesar de ter vontade. E dentre os vários discos sempre escutava o mesmo. Um dia caminhando na rua encontrei um panfleto da tal psicóloga, que dizia fazer regressão, sessões de terapia comum e outros tipos de serviços. Tornei a lembrar do meu sonho. Será que seria uma saída? Ou será que apenas irritaria mais um profissional?   
Quando adentro aquele ambiente irritantemente clean and white, com cópias dos quadros mais famosos da arte renascentista, barroca e modernista, me dirijo até uma recepcionista modesta, que me indica o funcionamento das coisas. Cético e querendo provar que aquele sonho seria para sempre sem explicação, marco minha hora.
Dia seguinte estou de volta. Ansioso e irritado com aquele ambiente tão exposto, claro, branco... Minha hora chega. Esperando uma senhora de 45 anos, com seu jaleco e mais quadros de pintura... Entro na sala e encontro uma jovem bela de 28 anos, lindas pernas, sem jaleco, sem quadros e um lindo sorriso de bem vindo.
Hipnotizante – digo a ela. Ela faz uma expressão de curiosa e me indaga. Você – respondo a ela. Ela sorri mais uma vez, olha pra baixo desligando uma chamada no celular que mesmo no modo silencioso, insistia em chamar com o piscar das luzes. Começamos a conversar sobre as razões que me levaram até ali. Ela toma conhecimento do meu sonho. Trocamos primeiras impressões e ela pouco anota coisas sobre mim.
Desde esse primeiro contato, me sentia viciado nas sessões de prazer e beleza que ela me oferecia. Meses depois, tornei-me mais sociável, risonho, pintei as paredes do meu apartamento de branco, fui muitas vezes a praia, deixei as acompanhantes de lado e busquei por mulheres com as quais poderia ter relacionamentos sólidos. Mas algo me faltava.    
Passei a perceber que minha vida tinha cor e todas as cores vinham daqueles malditos quadros na recepção da psicóloga. O ambiente lá já não me irritava, pelo contrário, me sentia confortado e num bem estar tremendo. Sorria ansioso esperando para mais uma sessão, ainda mais por que começaríamos a regressão. Um sucesso. Ela era incrível. Inteligente. Linda. Esperta. Tinha um ótimo senso de humor. Neste dia eu era o último. Esperei ela fechar o consultório. Sentia-me excitado e atraído por ela. Estávamos tão próximos. Decidi fazer um convite.
Não posso Miguel, tenho alguém me esperando para jantar, quem sabe num próximo momento – respondeu ela sem graça e muito educada. Fiquei frustrado, mas tudo bem, num próximo encontro. Sai de cabeça baixa e olhando vez ou outra para trás observando ela abrir a porta do carro. Enfim, não foi um fora, tentava me convencer.
Passei a noite pensando nela, estava apaixonado? Seria isso? Só sei que eu a queria muito. Nem pensava numa possível rejeição. Abri uma garrafa de vinho, precisava esquecer um pouco dela, aquele sorriso, as pernas, o modo de me olhar. No transe bêbado, me peguei dançando com ela na sala, completamente insano e louco de desejo. Quando a deitei no sofá, ela sumiu por entre minhas mãos. Cai sobre o móvel, frustrado.
Mesmo envolto de sentimentos tão difíceis de lidar e segurar a barra, eu continuei indo as sessões, mesmo não conseguindo atingir os objetivos da terapia. Estava perturbado com aquela imagem. Levava flores, bombons, livros. Ela sempre foi tão educada. Até o dia que disse que não poderia mais me atender, pois eu estava confundindo nossa relação e o tratamento não apresentava resultados positivos. Ela me indicaria outro psicólogo. Eu não aceitei.  Sai gritando e batendo as portas do consultório. Deixando-a assustada e receosa comigo.
Dia seguinte tentei me retratar, ela foi educada e diplomática, mas insistia que não poderia mais me atender. Meu erro. Fiquei mais uma vez furioso. Num ato desesperado parti pra cima dela. Tentando beija-la. Fui expulso do consultório por alguns homens que nem sei de onde vieram.
Retornei para meu apartamento transtornado, metade de mim se arrependia, a outra estava furiosa. Queria tê-la de qualquer modo. Juntei o dinheiro que tinha, comprei garrafas de vinho e algum pó. Passei a noite num submundo particular, onde só existia ela e eu. Obcecado, queria mais. Tinha certeza que ela me queria, o modo como me olhava quando eu a elogiava, ela também era culpada por aceitar durante todo esse tempo meus carinhos e amizade. Esses pensamentos foram tomando forma na minha cabeça e a ideia de que deveria retornar ao consultório também.
Sem dormir, comer. Sai cedo do apartamento, certo de que ela deveria me entender. Esperei a secretária entrar e fui atrás, fazendo ela de refém trancada no banheiro. Não muito tempo depois chegara a psicóloga, sem saber pra onde caminhava, entrou a porta olhando celular e dando bom dia para a recepcionista, sem atentar que era eu sentado atrás da mesa. Quando viu assustou-se e quis sair, mas terminou caindo. Minha oportunidade para fechar a porta principal e buscar a redenção.
Meio sem jeito e bastante transtornado a ataquei pedindo desculpas, implorando compreensão, falando dos meus sentimentos e o quanto precisava dela comigo. Ela me olhava sem aquele sorriso lindo, assustada, acabrunhada e como alguém nesta situação passou a me empurrar, gritar por socorro. Num só tempo, a recepcionista também batia na porta do banheiro e gritava socorro. Ela devia estar com o celular. Não demorou muito para que outras pessoas começassem a bater na porta do consultório insistentemente. Ela me dizia que eu havia perdido que deveria me entregar e que tudo ficaria bem.
Eu só pedia que ela me olhasse de novo daquele modo, com o sorriso... Quis beija-la, ela me estapeou. Fiquei em fúria e a estapeei de volta. Deixando-a no chão. Tentei me desculpar, tarde demais, ela estava furiosa e gritava bastante. Tentei me aproximar, ser mais cordial, mas ela me arranhava e me empurrava. Eu a queria, tudo aquilo estava me excitando. Eu a agarrei mais forte, joguei no chão e queria possui-la. Ela lutava bastante, gritava e esperneava. Até que quis cala-la e quase a sufoquei.
Os homens que batiam insanos na porta conseguiram arromba-la e viram uma cena de filme. Eu, o vilão, sobre a mocinha. Todos juravam que a tinha estuprado. Enfurecidos me atacaram, me batiam e deflagravam insultos. Porém, num ato de sorte consegui escapar, caindo ainda no corredor, levantando continuei correndo para sair do pequeno prédio comercial no centro da cidade. O alarde no prédio foi geral. Todos saíram correndo atrás de mim.
Consegui engana-los e descer pela escada de incêndio que dava para um beco. A rua estava deserta, calma, poucas pessoas eram vistas. Até que um dos homens que me caçava me avistou e avisou os demais. Num instante eu estava cercado por homens que me espancavam e me insultavam. Terminado a sessão de violência em plena via pública, eu já não enxergava, somente escutava longe as pessoas falarem a meu respeito, algumas pessoas falavam que era louco, que já vinha ameaçando a psicóloga. Uma viatura passou no lugar e foi averiguar o fato.
Ele estuprou uma mulher, além de estuprador era louco, tinha mesmo que morrer – dizia um homem desconhecido. E no meu último fio de consciência esforçava-me para lembrar onde já conhecia essa história...meu sonho...
Depois de morto, estamparam no jornal “estuprador é morto em via pública”, bem como diversos depoimentos de pessoas que se diziam “cansadas de loucos e bandidos como eu”, que a “justiça do povo era sempre mais eficaz”, que “o povo sempre faz justiça com as próprias mãos”.    

Monotemática




Preciso escrever algo senão enlouqueço. Minhas ideias me comem por dentro viva, me fazendo entrar num estado de tristeza e silêncio. Há dias tento escrever um texto, mas não saiu da primeira linha. Monotemática. Isso não é charme de escritora de blog. Da janela do ônibus a ideia vem a cabeça, tão logo ela se vai, sem importância, quem vai querer ler?  De uma música, de um casal que se beija, de uma moça de carnes fartas, de um homem que fuma, de um rapaz sentado na calçada... De todo lugar um fio de ideia tece-se na minha mente. Porém, tão logo, se vai. Ando perturbada, cansada, com medo, esperançosa, com frio, com fome, com raiva, com vontade de chorar, amar e ser amada. E ao mesmo, não desejo nada. Monotemática. Tenho pelo menos três ideias que me renderiam  bons textos. E o que me falta? Monotemática. Em meio a tudo isso, uma questão persiste, “queria gostar de algumas pessoas como elas gostam de mim”  e “as que gosto demais, bem que poderiam gostar de mim como eu gosto delas”. Recapitulando minha falta de ideia, sou consumida vida por elas, que não me deixam dormir e fazem das minhas noites uma vitrine de pesadelos. De palavras simples, as mais rebuscadas, sobre sexo e morte, homossexualidade, sobre o amor, sobre mim. Monotemática. Não há um filão que seja que me faça desabrochar e por para fora o rio que corre dentro de mim. Assim como comecei, termino monotemática.   

sábado, 4 de agosto de 2012

Mudanças



... Na realidade estou buscando o início deste texto. Agora passa por minha cabeça uma infinidade de começos, mas nenhum deles é interessante o suficiente. Que tal começar por anteontem, quando quase morri. Ou por agora, que estou sentado no escuro sozinho. Meu avô sempre disse que quando começamos acordar de madrugada, andar pela casa, abrir e fechar a geladeira (sem querer nada) é por que a solidão chegou.  Ou será que tenho algo para resolver e não consigo? O mesmo disco toca, já sei as músicas que virão na sequência. Copos estão sujos no parapeito da minha janela. As roupas em pilas são montes no horizonte do meu quarto. Os livros marcados pela metade, com um  pedaço de papel, esperam o dia que a leitura seja continuada. Algumas moedas sob a mesa. Um único cigarro faz companhia a minha carteira. Mas nenhum um pingo de Martini.
Rolo na cama esperando o momento de redenção com os amigos, que cobram minha presença, mas só quero estar sozinho. Não por mal ou por que alguém é chato demais, fala demais ou o que seja. Mas por que vivo um momento de recolhimento. Quase automático. Já sinto que a textura da minha pele está mudando, minha voz, meu comportamento, meus pensamentos, meu paladar. Estou em transformação. Vejo no horóscopo semanal que preciso ter calma, que este momento passará em breve. Mas será que meus companheiros e amigos saberão me entender e esperar por mim, como um dia eu esperei por eles?
Que seja. Não os obrigo a nada. Bem que as contas do mês poderia me esperar sair deste transe transformador para chegarem a minha porta. Mas não. Continuam chegando e me fazendo lembrar que sou um sujeito civil que deve prestar contas com a sociedade que me concebeu e hoje rejeito, repudio, cuspo no prato, falo mal, crítico nas redes sociais. Cansado, me calo. Sou apenas mais um – assim penso. Prefiro escutar músicas de protesto e colocar excertos aparentemente interessante no Face Book (olha, ele é cult), do que ir para rua, de fato, mostrar que protesto e tenho raiva comigo de estar nesta bosta que não fede, mas me  besunta todo, até os cílios.
Sim, não sou pessimista. E porque não escrevo mais sobre morte, sexo, sujeitos do povo? Por que não quero. Já fui criticado, bem diziam que eu não escrevia nada com nada. E não escrevo mesmo. Ou melhor, ainda bem que escrevo. Hoje meu nada com nada me colocou aqui neste trono eterno de solitude. É impressionante sua falta de senso de humor. Desculpe-me por rir.
Bom, continuo aqui, sem saber como começar este texto. Enrolando, falando um pouco dos meus problemas e da minha frustração, e nada de começar. Sempre fui livre, sabe? Já gostei de compromissos, promessas eternas, responsabilidade, expectativas e tudo isso. Hoje não. Faça o que quiser, vá onde desejar, me leve ou não. Não deixo de te amar. A vida é isso, como um rio, que enche e seca, vai e vem, mata e alimenta. Conta história e silencia outras. Mas como seres humanos, nossas experiências constituem grande parte do nosso aprendizado e também nos moldam. E dado isto, para estar comigo não é preciso assinar nada, me prometer o que seja já sei que um dia vais embora, que um dia alguém mais interessante vai surgir... Enfim, como um rio, como um rio.
Pelo que vejo hoje não começo este texto. Talvez depois de um cigarro consiga pensar em algo. Vou aproveitar à tarde. Quem sabe olhar pela janela os meninos e as meninas correr na rua e me recordar de uma época onde minhas dores eram pequenas perto do que sinto hoje. E que poderiam ser curadas numa próxima banca de bombons. Quem dera hoje fosse assim, uma bala curasse minhas dores e me fizesse rir e brincar com os demais como se nada tivesse acontecido.
Há uma revolução lá fora. Silenciosa. Sim, vem de vários lugares. Como uma grande onda. Amedronta-me um pouco, pois ainda não tenho um lado. Não sei ainda se devo escolher um. Talvez seja metralhado acusado de espião, anarquista ou conservador. Será? Só sei que seremos todos engolidos. Ninguém será perdoado. É sim, por que não há perdão para os seres humanos. Somos tolos.
Volto depois, hoje não passei da primeira linha. Estou um pouco tonto. Cansado. Vou voltar a cama e sonhar. Quem sabe com algo bom, com o amor, com aquele rosto e sorriso lindo, com aquela outra tarde que a beijei... Veja como somos tolos. 

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Carta ao Humano


Carta ao Humano.
Em geral, as pessoas se comportam de maneira animalesca, fazem das palavras garras pontiagudas que atingem o amago. E lá permanece durante anos, penetrando a carne já vivida, não permitindo que a dor cesse. De múltiplas formas existe uma defesa que não servirá ao propósito, haja vista, que não há compreensão, respeito, nem um pingo de tolerância. Olhar para o umbigo e ter como plano de fundo a própria barriga e as pernas é fácil, é limitar-se a isso e desejar que o restante imite. Egoísmo estrutural que rompe a carne para atravessar o coração do iludidos. Não se pode ser tão bom, o ser natural sempre será bruto como a pedra que brota da terra, como cachorro do mato. Tente observar no espelho a imagem disforme que se apresenta horrenda, marcada de sangue, sol e suor. Se for da água quente que se tem medo, não é de felinas maledicências que se fugirá?! Só sei que cansado meu corpo está de tanto lutar a contrapelo neste mar de ilusão, mentira, ditames de ordem torta e convencional, pessoas brutas, ignorantes e azedas. Não quero ser estéril como a natureza morta que brota dos teus lindos lábios quando emites um som! Não há vida, só tristeza, devassidão de quem ainda não aprendeu a andar fora do brejo. Dou por mim, o fim, talvez, por ausência de paciência, vontade, cheiro, excitação. Ou por que, sou homem por demais para aceitar o orgulho ferido e as dores que retornam quando dou de frente com tua figura maléfica, ardilosa e amada.  Diga que sou fraco, ande. Diga que sou afoito. Sou isto depois de ti. Devo ser lúcido, calmo e esperançoso. Porém, não posso mais ser assim, destruístes o que havia aqui. Me expurgastes ao limbo. E o que resta são fragmentos do que fui, unidos por veias e sangue do que me tornei hoje.   

Barão da Ralé

Presa

O rótulo de doidivanas antecede o ser mulher que é. Isto por que, valoriza o que tem no corpo e o que faz da vida, sem somar o apoio e opinião de terceiros. No fundo, não chega a ser inconsequente, contudo, gosta de fazê-los pensar que é. Não há dia para beber e sair. Com a flor no cabelo segue até a baixa paisagem e cartão postal da cidade. Não busca nada além que um copo cheio de cerveja, admirar o rio-mar e conversar a toa. Apesar de algumas preocupações, ali quer se desprender, esquecer por algum instante o que lhe aguarda. Acende o cigarro e observa as mesas ao lado onde estão alguns homens que parecem ter vindo de mais um dia cansativo de trabalho assalariado, mas, estão ali em busca de boa sacanagem. Piscadas são retribuídas com um lindo sorriso. Mais além, há um casal "hétero", parecem bem, conversam e riem.  E nesse mar de gente que se apresenta nada lhe chama mais atenção do que o próprio copo cheio de cerveja. Joga conversa fora enquanto algumas pessoas param para ver o sol deitar. Quando a noite chega tudo se transforma. A paisagem que antes era urbana e diacrônica torna-se palco de exibições múltiplas, desejos a flor da pele, luxúria e disputa. Os cordeiros são lobos maus prontos para arrebatar suas possíveis presas. Neste universo o ser mulher  ou o que se parece é o objeto de desejo fálico. Aquilo assusta e num só tempo excita. Os homens embriagados tornam-se machos sedentos que, se levantam de suas mesas e caminham em busca das fêmeas. Brigam por ela, disputam seu olhar, entre "psius" e investidas audaciosas de toca-la e elogia-la. De tudo isso, os risos são inevitáveis, ser cobiçado, peça rara, leiloada na mesa redonda de bar de feira. Aquilo é instigante. Cobre a presa de luxúria e ira. Fome e sede de sexo, tapas e mordidas. Num piscar, a atenção é furtada, com a promessa fácil de amizade. Já não há pressa e retorna ao lugar do ser mulher. Gosta da ideia, com isso, mal percebe o lobo que rasteja para perto dela em pele de cordeiro. Cai em si, ainda sim, deseja ver onde terminará. Quem sabe num banheiro sujo de quinta categoria, numa parede marcada por números de telefones, nomes e marcas de bocas com batom. Ali é abatida, seminua, entrega-se a qualquer. São bocas que se encaixam lascivamente, bicos de seios em rije desejando ser sugados, bucetas acariciadas... e o tempo bate a porta. Já passa da meia noite e o encanto termina. Os homens que tanto a desejaram ficaram suspirando do lado de fora, observando a sortuda com ira e demonstrando a presa o que ainda tinham a oferecer por debaixo das calças. Ela limita-se a sorrir, até deseja experimentar uma dose daquela desventura, porém a noite terminará ali. Precisa terminar ali, pensa ela sorrindo.

Barão da Ralé

domingo, 17 de junho de 2012

Sentimentos



É tão bom poder escutar Naná Caymmi novamente e não chorar. Além de somente lembrar os bons momentos vividos contigo, recordo ainda que nunca será tarde para viver o amor que sentimos um pelo outro. Basta deixarmos as armas sobre o chão, segurar minha mão e me convidar para mais uma caminhada contigo. Eu irei, mas saiba que continuarei a mesma, ainda sim, quero ir. Me leve. Desperte-me. Faça-me rir a toa. Olhar-te admirada escutando tuas histórias. Regados por uma cerveja gelada e um barulho incessante do mundo que não ouvimos quando estamos um com o outro. E no final da noite, me leve em casa, durma comigo, façamos amor. Daquele jeito suado e sacana. E deixa-me falar que te amo. Será verdade. Já no dia seguinte não sei. A magia termina. Os olhos não cintilam mutuamente. E mais um dia vais embora sem sabermos por que andamos distantes. Ainda sim, escuto Naná, é minha esperança, é o que mantem a chama acesa. É o assunto da próxima conversa. Seja o que for.     


por Sara Suliman

Amante


Adeus.
E com um copo vazio permaneci sentada na cozinha de casa. Tão logo as lembranças inundaram o recito e revivi o momento do encontro. Exatos 14 anos da minha vida doados a alguém que sempre quis bem. Ciente que o oferecido seria uma garrafa de café preto, um jornal e batidas na porta durante a madrugada ou quando desse na telha. O dia seguinte era outro e seguia. Era pegar ou largar. Mas a safadeza e a luxúria impediam-me de largar o gosto do gozo na boca e na alma, das noites e madrugadas em claro, que entre sexo e cigarros, conversas e afagos, me levaram ao pior dos sentimentos, o amor. De encontros na pracinha, no bar da esquina, até minha cama, o não era sim, e o sim era não. Trabalhava, pagava minhas contas, ia à vendinha. O coração era sempre apertado. O papo furado com as amigas e o olho espichado no relógio. Vez ou outra chegava um recadinho num pedaço de papel. Era toda felicidade. O bolero começava tocar cedo em casa. O vaso ganhava flores. Vestia o melhor dos vestidos. Acendia um cigarro e no fim da noite a carteira findava. O bolero cessava no rádio. E tu não vinhas. Ficava desgrenhada com meu vestido encolhida na cama. Jurando que outra promessa assim eu não cederia. Mas era pura ilusão passageira que me confortava naquela noite fria. Um dia qualquer na minha vida, encontrei-o. Moço, alto, sorriso largo e solteiro. Seria justo não. Tu para lá e eu para cá. Mas vez em quando poderia me procurar. Contudo, Raimundo não aceitou e depois de escutar minha proposta e explicação, tudo que disse foi adeus. E com o copo vazio que ele bebeu a dose permaneci sentada na cozinha de casa, até que as lembranças do dia que o conheci surgiram. Algumas lágrimas molharam meu rosto. Porém, pensei nos exatos 14 anos que dediquei a Raimundo. E deixei que fosse.    

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Segunda-feira




Pedi uma cerveja e um copo. Sentei-me à mesa de costume. Hoje o boteco está vazio. Só os fregueses de costume batem ponto. No rádio toca uma música familiar. É apenas segunda-feira. Enquanto, tomo um gole gelado, penso que na vida toda tive pouca esperança, mas hoje bem que eu poderia te ver. Não sou de romance, mas se quisesse ser, essa era a oportunidade perfeita. Que figura, mexe comigo, me faz sentir jovem de novo. Vivo hoje pensando no amanhã, já que quando chego em casa, o silêncio é minha companhia. Ando pela casa tentando encontrar uma saída, porém, sei que ela está aqui. Peço uma porção de pastel do bar e mais uma cerveja. Parei de fumar pela milésima vez semana passada, mas assinalo ao homem do balcão uma carteira. Hoje não tenho hora, como todos os dias. Já fui mais vivido, batia ponto nos bordéis, nos bares chiques, pedindo sempre conhaque e uísque. Quando olho o movimento da rua, sempre vejo teu rosto num qualquer. Meu coração dispara. Esboço um sorriso, indagando-me porque espero horas para te ver. E a explicação vem num outro gole gelado. Ah! Que delícia! Na outra mesa uma coroa me observa, sinaliza um brinde, piscando, sorrindo e me convidando para sentar com ela. Será mais uma, entretanto, não me faço de rogado. O papo flui entre “oi”, “tudo bem”, “vem sempre aqui”, “que tarde quente”. Esta é Joana. Diz que me observou desde que cheguei, escutou-a com pouco interesse. Quando pensei em falar algo, minhas palavras se diluíram com a vinda dela. A tarde inteira esperando aquele momento. E ela sorri, mexe nos cabelos negros, olha atenta para atravessar a rua. Com meias três quartos e saia plissada azul marinho vêm de braços dado com outra amiga. Quase consigo sentir o cheiro que exala. E de fundo apenas sinto o insistente cutucar de Joana nos ombros. Ela se aproxima, pedi um suco e bolo. Sentam-se a mesa e riem. Falam efemeridades e eu desejo vulgaridades, imoralidades e insanidades com aquela menina. Joana consegue me tirar do transe e a olho atônito. Esboço um sorriso amarelo e peço desculpas. Ela não percebe ou finge não perceber que desejo aquela pequena. Continua falando “sim, eu dizia” e eu não tiro os olhos daquelas meias brancas. Dos joelhos lisinhos e roliços, das coxas semi cobertas por aquela saia azul marinho. E graças ao calor que faz, ela abre alguns dos botões da blusa, me fazendo estufar a calça. Já não me importo com o mundo e nem com Joana (que continua falando), só com os farelos de bolo que insistem em cair por dentro da blusa e com os dedinhos que limpam a boca risonha. Contudo, para minha enorme tristeza, o bolo se acaba e a ninfa se vai. E volto a observar o bar e Joana, que agora se retoca, passando um batom jabuticaba nos lábios. Do bar, vamos parar um motel barato e Joana sensualiza, tentando me deixar aceso. E as meias brancas e a saia azul não saem do meu pensamento. Aquele sorriso maroto e os cabelos negros da pequena. Joana dança e chama por mim. Coloca minhas mãos em seus seios, fala obscenidades e me surpreende com palavras ao pé do ouvido: “finge que sou aquela garotinha”.


Barão da Ralé

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

"és um senhor tão bonito"



Tempo, tempo, tempo, tempo....

a noite está fria e não colabora com minhas poucas certezas que, juntas lutam para permanecer na liderança da objetividade. O brega de fundo me remete a velhas lembranças de lugares que não frequento mais. O copo vazio sobre a mesa revela meu grau de insensatez e impaciência. O cinzeiro transborda. Hoje não deito cedo. Passarei a noite em claro. Formulando maneiras de justificar minhas escolhas e fazer-me aceitá-las, sem dor e autopiedade. Busco o convencimento de que sou mais que uma pedra de aparar porta. Tenho sangue nas veias, um calor frequente, uma dor latente de existir. Porém, sou castigada pelos próprios prazeres. E sempre preciso que mais uma dose inunde meus vasos sanguíneos e uma tragada invada meus pulmões. Afastando-me momentaneamente da vida real, das pessoas reais, dos medos que são reais e absolutamente atraentes. Confesso que sou escrava de uma vida construída que, não permite erros e meia-volta, vivo presa tendo a mim mesma como carrasca. No fundo, tudo que busco é apagar teus passos. E não conseguir gera em mim uma dolorosa tortura de ter que aguardar pelo tempo, o redentor de tudo que, intencionalmente estará atrasado!

Barão da Ralé  


terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Nômade cosmopolita



Nômade cosmopolita. Personagem que demarca o espaço e o tempo da rua. Ela não se preocupa com nada, essa é a verdade. Sem respeito à boa moralidade, caminha livremente: desnuda e desgrenhada. Fala sozinha, observa os estranhos que perpassam com rapidez, olha as vitrines com luzes. Além da vida, possui muito pouco. Tudo que tem está na sacola de plástico numa das mãos. Na outra, carrega sua cama de papel. Banha-se no chafariz em frente à praça, mesmo nos dias de maior movimento. Embalada pelas buzinas, eternas companheiras de uma vida perambulante. Não senti dor, não senti fome. Alimenta-se do resto de tempo, espaço e dos papéis velhos e alheios. Nas noites de frio luxa debaixo de um puxadinho, quando não disputa o espaço com os cães e outros nômades. Sentada no chão frio, é inerte, como se estivesse num transe. Parece não ter consciência, é invisível, repulsiva, perigosa, digna de pena. Depende de quem vê. Quando a chuva da trégua. Caminha até à praia. Senta-se na areia. Observa o mar. Por minutos larga a sacola e se lança na água. Volta a ser criança, se banha, se lambuza, senti um prazer inexplicável. Só para quando vê alguns estranhos remexerem sua sacola. Corre com desespero. Cai. Levanta. Grita palavras sem sentido. Afugentando os intrusos que, de longe debocham da aflição da pobre. Passado o susto, observa os pertences, lhe roubaram nada, mas destruíram o pouco que tem.  Assustada, recua. Agarra-se a sacola e volta à praça. Com medo. Senta-se num dos bancos. Não sabe da hora e nem do dia. Quando tenta repousar, um homem se aproxima. Os olhos e o coração saltam. Quer fugir. Mas ele lhe oferece algo que exala bem. Parece apetitoso. Com certa desconfiança aceita. Cheira e ingere. Outra pessoa se aproxima e lhe oferece algumas vestes e um cobertor. Ela não entende bem, parece confusa e receosa. Mas pega os presentes e corre para se esconder. Sem dar chance de comunicação para os intrusos. Esta noite passará bem. Mas amanhã não sabe como vai ser. E juro, que isso  não lhe tirara o sono no novo cobertor.
Porque só o dia será novo,
já que a caminhada é antiga.
Só disso que sabe.


Barão da Ralé  

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Próxima estação




Da vida todo mundo conhece um pouco. Os conselhos e os clichês são diversos. Mas no fundo, nenhum deles são regras. Sempre se segue os caminhos inversos dos discursos. Sempre se telefona no meio da noite. Envia-se aquela mensagem por saudade. Um e-mail. Um texto off-line no msn. O que seja. Só se quer atenção. Saber que ainda é importante para alguém. Por mais que não se consiga corresponder os sentimentos doados. Por mais que o sentimento já não seja tão forte como antes. Solidão dói, meu amor. Mesmo que seja por opção! Indiferença, frieza, vingança também, meu amor! Por mais que os planos e visão de mundo estejam claros na mente, isso não é para alguém! Doloroso saber disso e ter que aceitar tudo, de cabeça baixa, ou não? Não se escolhe magoar – na maioria dos casos –, talvez não se consiga fazer entender ou realmente é muito complicado. Seja o que for amor meu grande amor, não chegue agora, essa não é a hora marcada, nem pra mim e nem pra ti. Porque hoje não posso te oferecer um abrigo, um ombro, uma cama. Mas isso não significa que nunca o farei, entretanto, corro o risco de que minha hora já tenha passado e só te encontre em outro vagão. Acompanhado. Um medo invade meus pensamentos, uma angustia e um nó na garganta. Mesmo assim, já comprei o próximo bilhete.   

Barão da Ralé






terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Chanel



De longe se escuta o soar dos saltos na calçada.
Ela chega de mais uma noitada.
Bolsa na mão esquerda. Chaves na direita. 
Não é puta.
A noite foi boa, mas amanhã precisa trabalhar.
É forte. Determinada.
É sozinha.
Por opção.
Entra em casa, joga a bolsa no sofá. 
Tira os saltos Chanel.
Abre o zíper do vestido preto, que fica no corredor, e entra no banheiro.
Se olha no espelho, ri pra si mesma, a noite foi realmente boa.
Estica a pele de perto dos olhos, acha que já está na idade de se submeter ao fetiche da estética.
Retira o que sobrou da sombra preta.
Abre o chuveiro e observa a água cair.
Esse não seria o primeiro banho mais demorado que tomara.
Abre a porta do armário, pega a xícara de estimação, põe água, duas colheres de leite e uma de chocolate. Tudo pro micro-ondas.
Enquanto espera eternamente por um chocolate quente, pensa nas coisas que tem pra fazer logo de manhã. Observa o corredor da casa vazia e lembra de dias mais animados e felizes.
É interrompida pelo soar do micro-ondas.
Senta-se na frente do computador: msn vazio, facebook não tem, tv a cabo, só nos sonhos.
É o jeito assistir um pouco de Jô.
A paciência não dura nem um minuto.
Olha pro lado esquerdo da cama e avista o novo livro que comprara no sábado: Billie Holiday – biografia.
Não consegue ler uma página se quer, sem chorar.
Logo o abandona.
Deitada observa o quarto.
Observa a pilha de livros.
As garrafas de bebida.
O ventilador ligado.
A luz que insiste pela fresta da porta adentrar a escuridão do quarto.
Cai a ficha: se chama solidão.
Levanta, mas permanece na cama, sustentada pelos braços posicionados atrás.
Pensando no que pode fazer aquela hora, está sem sono.
Lembra que tem trabalho em casa.
Abre as pastas com os arquivos, mas não consegue se concentrar.
Lembra que por pouco esqueceu de passar o hidratante no rosto pra dormir.
Volta ao espelho, agora sem risos, de rosto limpo, espalha a pomada, se observa, aponta falhas.
O telefone toca, sai correndo para atender: engano.
Anda pela casa, buscando algo para se ocupar.
Tem vontade de conversar, mas nem um gato tem.
A opção é dormir.
Pensar na roupa que vai usar amanhã.
Observa as unhas, ainda estão pintadas.
Sem saída, acerta o despertador e espera o sono vir.
Porque o preço das escolhas já está lá.

Barão da Ralé



segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Rafie

Onde eu estava quando você cresceu – exclamou ele.
Depois de longos anos ele ressurgiu, numa calça marrom, blusa social e sandálias de dedo.
Trouxe-me algumas fotografias, de tempos imemoriáveis.
Um brinco e cordão de ouro.
Entregou-me em uma caixinha laranja, que guardo até hoje.
Enquanto ele me contava como tinha sido nos lugares por onde andou, eu o observava:
como gesticulava,
seu sotaque,
e como piscava pra mim, no final de cada história.
Tinha 24 anos, mas me senti com 9.
Meus cabelos eram com frequência desalinhados por sua mão grande com dedos esguios.
Como você cresceu – a exclamação era permanente.
Saímos para comer peixe com bastante pimenta.
Tomar uma cerveja.
No final do dia, ele escondia nos meus bolsos uns bolinhos de dinheiro.
Que eram rapidamente rejeitados.
Não os queria mais do que queria a ele.
Nossa comunicação era precária, mas nosso olhar dizia tudo.
Ele, admiração.
Eu, medo.
Era surreal ver aquele sorriso largo, até parecia eu.
Aqueles cabelos pretos e lisos.
Aquela sola de pé grossa e marrom.
Corpo lento, largo e alto.
Era diferente de todos.
Mas com o tempo acabou como lembrança corroída
e saudade apertada no peito.

Por Barão da Ralé  
  



domingo, 15 de janeiro de 2012

Perturbação



Ultimamente tenho vivido do lado escuro da vida.
Lá é um horror, só vejo a mim mesmo.
As noites são eternas e os cigarros infinitos.
As mulheres sedentas e os homens vivem entorpecidos.
Tenho tentado me adaptar. Mas ainda não consigo ver no escuro.
Escuto sempre a mesma música. Que soa familiar.
Mas no final das contas vem do rádio do bar, que é aberto 24 h.
Sinto saudades do sol. Do mar. Do vento.
Sinto saudade de viver.
Mas não posso voltar por hora.
Magoei alguém. Feri a mim.
Cortei minha carne. Assinei em baixo.
Ontem vi teu rosto sob a luz do sol, não esqueço o brilho dos teus olhos e teu sorriso.
Era sonho. Acordei no mesmo lugar. A mesma música.
Com um copo cheio esperando por mim.
Aqui eu não sou o que conheces, sou apenas eu.
Bruto, ouriçado, rude, selvagem, nu.
Sempre tive medo de ver como eu era...
Tomei um susto.
Sou lindo. Por fora.
Mas isso pouco importa aqui, como eu existem muitos, sou apenas mais um.
Todos bebem, se entorpecem, para esquecer um pouco como é o lado claro da vida.
Hoje farei mais uma vez, estou apenas no início.
  
Barão da Ralé