Para heteros e homos. Aqui não fazemos distinção Pessoa!
“Ninguém tem nada com isso”, disse o homem armado e exaltado.
Todos saíram da roda onde a briga acontecia. Apesar dos olhares de reprovação, ninguém tinha coragem de intervir por ele.
Seu nome? Horácio Silva. Dezoitos anos. Gay. Garoto de programa. Espancado e morto na rua.
O homem exaltado é Nazareno Costa. Quarenta e oito anos. Casado. Pai de 3 filhos homens.
“Tu gosta mesmo de ser puto né, seu gay filho da puta”, gritava Nazareno em plena rua, enquanto pisava na cabeça e rosto de Horácio. O rapaz mais tarde, socorrido pela ambulância, entrou em coma e morreu. Tamanha violência.
Isso aconteceu de fato, e acontece todos os dias.
Nazareno conheceu Horácio ainda menino, mas logo mantiveram uma relação. Nazareno gostava do moleque. Dava-lhe as coisas e o levava aos melhores lugares, como se fossem pai e filho. Na realidade, eram irmãos. Horácio era irmão bastardo e mais novo de Nazareno. “O pai pulou a cerca, esse safado”, dizia ele rindo.
Horácio era diferente dos demais meninos. Isso ninguém poderia negar. Adorava imitar Ney Matogrosso. Tinha cultura. Bonito. Cobiçado. Desde menino já se dava pelas quebradas, becos e bocas. Quando conheceu o meio-irmão, a vida melhorou. Nazareno o adorava. Fazia questão que ele tivesse as mesmas oportunidades que tivera.
Mais o menino era danado. Inteligente por sorte e mundano por opção. Preferia passar à tarde com os meninos da rua a assistir aula – “não quero essa droga de vida”, dizia Horácio. Nazareno desconfiava do meio-irmão. Mas pensava que aquilo poderia ser “curado”.
Certa noite. Nazareno levou Horácio até o Locomotiva. Chamou a melhor puta da casa e mandou que desse rumo aquele rapaz. Duas horas se passaram e quando saiu do quarto, a moça disse que a fruta do garoto era outra. Nazareno ficou sem ação. Ainda sim, isso não significava nada.
Nada disse ao irmão. Os anos passaram. Horácio cada vez mais bonito, “saidinho”, chegando tarde, todo independente.
O irmão mais velho desconfiado, apenas observava as mudanças do mais novo. Certa tarde, Nazareno chegou em casa, aparentemente sem ninguém, a não ser pelos gemidinhos baixinhos e contidos que vinham da sala. Aproximando-se devagar, viu o irmão mais novo com outro rapaz no sofá. Estava fazendo amor. Horácio deitado e o rapaz por cima. Beijos e carinhos.
A cena deixou Nazareno: excitado e furioso. Partiu pra cima dos amantes, surrando os dois, com tapas e socos. Expulsou o rapaz e continuou surrando o irmão. Horácio ficou todo roxo. Rosto inchado. Mas ninguém falava no assunto.
O mais novo quebrou o gelo e foi falar com o mais velho. “Irmão, quero que tu saiba que não quis desrespeitar tua autoridade ou tua casa... Raul é meu namorado!!! Queria que tu conhecesse ele. Ele estava aqui justamente te esperando e aconteceu... como acontece entre homem e mulher..”. Nazareno levantou a vista com ódio, “entre homem e mulher? Tu é cínico Horácio. Homem não namora com homem. Aquilo era safadeza pura!!! Nojentice!! Sai daqui, não quero olhar pra essa tua cara...”.
Horácio ficou triste. O irmão não compreendia.
Na mesma noite, Nazareno estava inquieto. Não conseguia tirar a cena da cabeça, a expressão de satisfação dos dois, o prazer, os gemidos, tudo era intenso e cada vez mais se repetia em sua mente. Quando deu por si tinha nas mãos o pau, duro, quase gozando.
Foi até o quarto do irmão mais novo, confuso. Aproximou-se da cama, observando o irmão dormir de bruços, só de cueca. Quis tocar, mas não fez. Estava atormentado pelos gemidos do irmão. Deitou-se na cama. Passou a beijar a nuca do irmão, colocando o pau entre as pernas do rapaz.
Horácio acordou assustado. Reagiu, empurrando Nazareno, que insistia nas investidas. O mais novo o empurrava, ordenando que saísse do quarto. Nazareno acabou com um tapa no rosto. Os dois pararam, se fitaram. O mais velho enfurecido quis bater em Horácio e mais uma vez ele reagiu. “O que tu tá fazendo? Ficaste louco? Sai do meu quarto!!!”, disse Horácio chorando.
Não acreditava no que o irmão tinha tentado fazer. Estava arrasado. Mas dormiu. De porta trancada.
“Ninguém tem nada com isso”, disse o homem armado e exaltado.
Todos saíram da roda onde a briga acontecia. Apesar dos olhares de reprovação, ninguém tinha coragem de intervir por ele.
Nazareno tinha ido até o ponto onde Horácio trabalhava. Pegando-o pelo braço e começado o festival de socos e tapas. “Não sei o que tu quer merda, te dou tudo e tu te vendi aqui...”, dizia o mais velho enfurecido. Ele sacou a arma e apontou para Horácio – já no chão, machucado – mas não atirou. “Assim é fácil demais”, disse. “Pode fazer o que quiser... tu nunca vai me tocar... dou pra qualquer um, menos pra ti...”, completou Horácio quase sem fôlego.
Quando acabou de falar, sentiu o primeiro pisão sobre o rosto. E depois contra o peito...
Chutes,
Pisões,
Ódio,
Amor,
Frustação.
Assim foi a curta vida de Horácio. E de Nazareno, não sei dizer. Talvez tenha sido preso, morto ou fugiu.
Alguns ainda falavam no assunto, "sua hipocrisia e ignorância mataram Horácio".
Não!
Pra mim foi o amor.