Nas esquinas da vida...

"Se o tivesse escrito para procurar o favor do mundo eu teria me ornado de belezas emprestadas ou teria me apresentado com minha melhor pose. Quero que me vejam aqui no meu modo de ser simples, natural e ordinário, sem afetação nem artifício: é a mim mesmo que pinto". (M. de M.)

terça-feira, 31 de maio de 2011

Manifesto para o amor


Não consigo escrever sobre o amor.
Travo. Minha imaginação se nega.
Não sei por onde começar.
Sou Barão afinal. Sou do mundo.
E no mundo não há coração.
Sou seco, árido.
Sou dengoso e mulherengo.
Sinto aquele friozinho na barriga, a euforia anunciada.
Mas na tela, não sai nada.

Será que não amei?
Será que irei amar?
Afinal, o que é o amor?
AMOR, AMOR, AMOR!
Simplesmente me irrita!
Logo vejo corações e casais apaixonados.
Sim, isso é um manifesto contra o amor.
Que ele não saiba [risos].
Não sou cínico, acharei digno o amor, assim que o conhecer. E se for mulher, melhor ainda.

Hoje mesmo me falavam do amor.
Fiquei curioso. Onde andará?
Por que não me faz uma visita?
Tenho sempre uma dose de pinga e um cigarro, esperando pelas melhores companhias.
Venha amor, não se acanhe não. Sou do mundo, mas tenho um pingo de respeito.
Que lá em casa não me entendam mal.*
Isso é apenas graça.*

Disseram-me dia desses que vagabundo também ama. Então tenho uma chance? – perguntei ao camarada entusiasmado.  
Mas teria de escolher entre a mulata Maria, a morena Ana e a lourinha Joana. Delí-cias. Preocupei.  Ah isso não é pra mim não homem! – ri.
Mais voltando ao amor. Não me julgue mal. Sou da banda de Tomé, só acredito vendo a cor do bicho.
Quando quiser bata na porta. Vou estar em casa. Bora desenrolar um papo.


 * Para o olhar certeiro do pássaro. 

O operário




Atrasada 15 minutos, ela atravessa a rua, correndo, cabelos soltos.
Carrega consigo a bolsa predileta.
Olha atenta para os carros que vem, não quer pisar na poça d’água.
Está atrasada para encontrar com ele.
Passa por entre as pessoas tirando fino de cada um. Pedindo desculpas para aqueles que esbarram. Dando corridinhas. O tempo voa.


Essa é Dináh. Estuda arquitetura. 25 anos.
Solteira. Apaixonada. Adora vinho chileno.
E Jamiroquai.

Aguarda o sinal para atravessar, agoniada olhando no celular.
Tinha marcado no barzinho perto de casa.
Mas inventara de pintar as unhas.  
Enquanto espera pelo sinal, admira as unhas pintadas de verde.
Um rapaz passa por ela. Esbarra sem pedir desculpas.


Filha única. Aprecia experimentalismo.
Atoa. Tem Ganesha tatuado nas costas.
E adora Neruda.


Aquilo chateia. Mas não faz diferença. 4 e 15.
Finalmente o sinal abre. Corre e entra no bar.  
Avista-o. Desculpa-se. “Uma Margarita, por favor,”.


Come massa. Queijo ralado puro.
Espinafre. Gorgonzola.
Água com gás e salada verde.


Sorriso de satisfação. Ele está feliz por vê-la.
Abraçam-se apertadamente por um minuto.
Ele também gosta dela. Ela não sabe. Acha que gosta sozinha.
Os olhares e sorrisinhos não negam o sentimento.
Mas ele é demais.



Mora sozinha. Cuidou da decoração.
Tinha uma janela baixa e a poltrona da satisfação.
Muitos livros na estante.  




Conversaram por horas. Ele tem que ir.
Entrega a desculpa do encontro. Um livro. Biografia de Modigliani.
Ela já tem.
“Mas esse é em francês, trouxe pra ti da minha última viagem a Paris”.
Diante da surpresa. Um abraço demorado.


Lê francês como ninguém.
De família rica, teve boa educação.
Morou em Londres e Paris.



Sai feliz. Folheando o livro novo. Sentindo o cheiro das páginas.
Despercebida. Sorri pro mundo.
E lê a dedicatória dele: “Para uma alma novinha”.
Está chegando em casa. Livro na mão. O telefone toca.
É ele, perguntando se tinha chegado bem. Fala distraída...


Dináh gosta de homens rústicos.
Entrega-se as paixões carnais mais do que
as paixões do coração.
Claude Deleuze, ele era operário em Paris.
Frequentadora assídua dos “bares baixos”, ela o conheceu.
Tiveram um caso.
Ele se apaixonou
e ela não!



quando é abordada por Claude. Jogada contra a parede com violência.
Ele saca a faca e lhe tira o prazer.
Proporcionando ao outro no telefone o último ruído de Dináh.
Usa luvas. Abandona a faca lá mesmo e sai sem remorso algum.

domingo, 29 de maio de 2011

E se me apaixonar?

Senti o cheiro de café fresquinho.
Tateei na cama, ele não estava.
Conduzida pelo cheiro fui até a cozinha. Ele estava lá. Contra a luz. Tomando o café novo.
Fiquei observando seu jeito. Encostado na pia, pernas cruzadas e com o copo na mão.
Em nada parecia com aquele homem da noite passada.
Viu-me. Veio até mim. Beijou-me. Deu-me bom dia.
Apenas sorri. Estava na minha hora.
Fui até o quarto, deixando-o na cozinha.
Rápido me vesti. Observei o quarto. Suas fotos e furtei uma delas.
Novamente fui ao seu encontro. Ele tirou duzentos reais da carteira e me deu.
Beijou-me mais uma vez. Agradeceu pela companhia.
Fui embora com um aperto no coração.
Mas lembrando do que Anita me falava:
“Nunca de apaixone Lorena! Nunca!”

Última dose

Não recomendo escutar Janis Joplin domingo de manhã. Dá nisso!


 [Monólogo de um morto]




Me deu um frio na barriga. [passando a mão da barriga]
Estava com medo, confesso. [mão na cabeça]
Afinal de contas, quem sou eu? [mãos apontadas para si]
Fumante, funcionário público, solteiro, pseudo-vegetariano, leitor de Maigret... não sei mais o que dizer. [indiferença consigo mesmo]
E sem ela. É verdade. [tom baixo]
Nem sabes do que tô falando né? Já sentistes isso antes? [pegando um cigarro na carteira]
Foda. Parece que morri. [olhar incerto]
Odeio vê-la com ele. Odeio a felicidade deles. Odeio saber que poderia ser eu. [acendeu o cigarro]
Eu sei, eu sei. Sou descompromissado. Não tenho pretensões. Não tenho nem casa própria. Sou pobre. Sou feio.
Sou sim cara. Já vistes ele? Carro do ano, boa pinta. O cara sabe o que faz.
Nem de cama sou bom. Na última vez, acho que a filha da puta fingia. Mais deixa estar.
Tô sim cara, tô arrasado. Vamos beber? Consegues um pó? [voz mais animada]
Sério. Hoje não quero saber de nada. O mundo poderia acabar está noite...
[...]
Na verdade não, queria estar do lado dela. [tom baixo]
Mas que merda de sentimento é esse? [angústia]
Aaah tô confuso. Não me sinto bem. Acho que vou ... [vomito]
[brôooooooooo.....aaaahhhaaammm]
Ah cara foi mal. Sinto minha cabeça girar.
Mas quase não sinto meu corpo. DE ONDE É TODO ESSE  SANGUE NO CHÃO? [assustado]
Quem é aquele fudido ali? O cara foi atropelado... ele morreu? [voz baixa]
Que doido isso. E eu aqui falando de sentimentos né? [meia-culpa]
Não tô afim não. Vai lá tu. Não, não. Não tô bem. Que merda a gente bebeu?
Não cara, vai lá.
Porra. Vamos logo ver isso, mas depois vamos sair daqui. Esse lance de morte não é comigo. Cara tem muita gente aqui. Foi tão ruim assim a batida? [sirenes de ambulâncias e carro da polícia] [pessoas correndo e chorando]
Put... mer...da... a cabeça do cara foi decepada. Ei cara? Espera? É ela ali. É linda né? [caiu em si] [filme na cabeça]
Aaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! [dor intensa]
E ele só viu um clarão.
Jayme. 26 anos. Apaixonado por Samara. 25 anos.
Perdeu seu grande amor. Sem coragem de falar com alguém. Certa tarde saiu do trabalho, parou num bar qualquer, bebeu até de madrugada. Saiu de lá, pegou seu carro velho e na próxima esquina entrou de baixo de um caminhão.
O amor mata?


sábado, 28 de maio de 2011

Barão apaixonado



[Escrito por alguém que gosto muito na mesa de bar.]



                                                                       Espere aí.
Quem é você?
                                                      Quem chega assim.
                  Sem dizer por quê?
                                                                                        Ei, espera.
Preciso respirar.
                            Me olhando assim...
Não sei o que fazer.
                            Mas vem cá.

Me toca. Me beija.
Me deixa te tocar...
                                                                 Preciso te olhar.
                                                                 Preciso vê que você...
                                                                                     É tudo que eu preciso.
Pra viver.
[Simplesmente viver]
                                                                          Vem aqui...

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Homem não namora homem (Quem disse?)

Para heteros e homos. Aqui não fazemos distinção Pessoa!   






“Ninguém tem nada com isso”, disse o homem armado e exaltado.
Todos saíram da roda onde a briga acontecia. Apesar dos olhares de reprovação, ninguém tinha coragem de intervir por ele.


Seu nome? Horácio Silva. Dezoitos anos. Gay. Garoto de programa. Espancado e morto na rua. 
O homem exaltado é Nazareno Costa. Quarenta e oito anos. Casado. Pai de 3 filhos homens.
“Tu gosta mesmo de ser puto né, seu gay filho da puta”, gritava Nazareno em plena rua, enquanto pisava na cabeça e rosto de Horácio. O rapaz mais tarde, socorrido pela ambulância, entrou em coma e morreu. Tamanha violência.
Isso aconteceu de fato, e acontece todos os dias.  
Nazareno conheceu Horácio ainda menino, mas logo mantiveram uma relação. Nazareno gostava do moleque. Dava-lhe as coisas e o levava aos melhores lugares, como se fossem pai e filho. Na realidade, eram irmãos. Horácio era irmão bastardo e mais novo de Nazareno. “O pai pulou a cerca, esse safado”, dizia ele rindo.
Horácio era diferente dos demais meninos. Isso ninguém poderia negar. Adorava imitar Ney Matogrosso. Tinha cultura. Bonito. Cobiçado. Desde menino já se dava pelas quebradas, becos e bocas. Quando conheceu o meio-irmão, a vida melhorou. Nazareno o adorava. Fazia questão que ele tivesse as mesmas oportunidades que tivera.
Mais o menino era danado. Inteligente por sorte e mundano por opção. Preferia passar à tarde com os meninos da rua a assistir aula – “não quero essa droga de vida”, dizia Horácio. Nazareno desconfiava do meio-irmão. Mas pensava que aquilo poderia ser “curado”.
Certa noite. Nazareno levou Horácio até o Locomotiva. Chamou a melhor puta da casa e mandou que desse rumo aquele rapaz. Duas horas se passaram e quando saiu do quarto, a moça disse que a fruta do garoto era outra. Nazareno ficou sem ação. Ainda sim, isso não significava nada.
Nada disse ao irmão. Os anos passaram. Horácio cada vez mais bonito, “saidinho”, chegando tarde, todo independente.  
O irmão mais velho desconfiado, apenas observava as mudanças do mais novo. Certa tarde, Nazareno chegou em casa, aparentemente sem ninguém, a não ser pelos gemidinhos baixinhos e contidos que vinham da sala. Aproximando-se devagar, viu o irmão mais novo com outro rapaz no sofá.  Estava fazendo amor. Horácio deitado e o rapaz por cima. Beijos e carinhos.
A cena deixou Nazareno: excitado e furioso. Partiu pra cima dos amantes, surrando os dois, com tapas e socos. Expulsou o rapaz e continuou surrando o irmão. Horácio ficou todo roxo. Rosto inchado. Mas ninguém falava no assunto.
O mais novo quebrou o gelo e foi falar com o mais velho. “Irmão, quero que tu saiba que não quis desrespeitar tua autoridade ou tua casa... Raul é meu namorado!!! Queria que tu conhecesse ele. Ele estava aqui justamente te esperando e aconteceu... como acontece entre homem e mulher..”.  Nazareno levantou a vista com ódio, “entre homem e mulher? Tu é cínico Horácio. Homem não namora com homem. Aquilo era safadeza pura!!! Nojentice!! Sai daqui, não quero olhar pra essa tua cara...”.
Horácio ficou triste. O irmão não compreendia.
Na mesma noite, Nazareno estava inquieto. Não conseguia tirar a cena da cabeça, a expressão de satisfação dos dois, o prazer, os gemidos, tudo era intenso e cada vez mais se repetia em sua mente. Quando deu por si tinha nas mãos o pau, duro, quase gozando.
Foi até o quarto do irmão mais novo, confuso. Aproximou-se da cama, observando o irmão dormir de bruços, só de cueca. Quis tocar, mas não fez. Estava atormentado pelos gemidos do irmão. Deitou-se na cama. Passou a beijar a nuca do irmão, colocando o pau entre as pernas do rapaz.  
Horácio acordou assustado. Reagiu, empurrando Nazareno, que insistia nas investidas. O mais novo o empurrava, ordenando que saísse do quarto. Nazareno acabou com um tapa no rosto. Os dois pararam, se fitaram. O mais velho enfurecido quis bater em Horácio e mais uma vez ele reagiu. “O que tu tá fazendo? Ficaste louco? Sai do meu quarto!!!”, disse Horácio chorando.
Não acreditava no que o irmão tinha tentado fazer. Estava arrasado. Mas dormiu. De porta trancada.


“Ninguém tem nada com isso”, disse o homem armado e exaltado.
Todos saíram da roda onde a briga acontecia. Apesar dos olhares de reprovação, ninguém tinha coragem de intervir por ele.

Nazareno tinha ido até o ponto onde Horácio trabalhava. Pegando-o pelo braço e começado o festival de socos e tapas. “Não sei o que tu quer merda, te dou tudo e tu te vendi aqui...”, dizia o mais velho enfurecido. Ele sacou a arma e apontou para Horácio – já no chão, machucado – mas não atirou. “Assim é fácil demais”, disse. “Pode fazer o que quiser... tu nunca vai me tocar... dou pra qualquer um, menos pra ti...”, completou Horácio quase sem fôlego.
Quando acabou de falar, sentiu o primeiro pisão sobre o rosto. E depois contra o peito...
Chutes,
Pisões,
Ódio,
Amor,
Frustação.

Assim foi a curta vida de Horácio. E de Nazareno, não sei dizer. Talvez tenha sido preso, morto ou fugiu. 
Alguns ainda falavam no assunto, "sua hipocrisia e ignorância mataram Horácio". 
Não!
Pra mim foi o amor.    
    

domingo, 22 de maio de 2011

Eclipse Oculto








Olhou-me torto. Eram 5 da manhã. Tinha passado a noite em claro.
Entrei ainda cambaleando. Com a meia arrastão rasgada, batom borrado e sapatos na mão.
“Noite difícil?”, perguntou ele. Apenas assenti com a cabeça e passei pro quarto.
Naquele mesmo dia mais tarde bateu na porta me chamando para almoçar.
Sentei a mesa. Estavam todos lá. Mamãe perguntava com eu estava. Papai sério na ponta da mesa. Minha irmã folheando a revista, entre uma garfada e outra.
“Bem”, respondi. “Que bom, pois coma, deves estar com fome, fiz teu prato predileto”, disse mamãe com ternura.
Todos conversavam. Até papai ria e mal me olhava.
“Mais uma noite difícil meu amor? Você está machucado?”. “Não, estou bem. Só cansado. Andei muito. Estive com vários homens ontem e o salto ainda me mata”. “Sei bem, eu que sou mulher não aguento, imagine você...”, ela pensou no que tinha dito. “Desculpe meu filho, não quis dizer... e que você... você sabe...”. “Tudo bem mãe, entendo”. Ela beijou-me no rosto e deixou-me sozinho.   
Deitei mais um pouco. Acordei por volta das 6 da tarde. Arrumei-me. Peguei a bolsa e sai. Na sala estavam papai e mamãe. Dei boa noite e só mamãe respondeu. Ele continuava vidrado na novela.
Caminhava pela rua de casa. Alguns me elogiavam. Outros me diziam obscenidades. Na rua era diferente. Era meu palco. Rebolava e empinava o corpo, sem a menor vergonha. Ia pra noite. Mais uma noite na vida que tinha escolhido pra mim.
Cheguei ao ponto, tinha ocorrido uma briga, estavam todas aglomeradas. Uma amiga havia sido machucada, cortada no rosto por outra com uma gilete. Chorava, ensanguentada, mal dizia a companheira de ponto. A noite ia ser movimentada, pensei.
Fiz alguns programinhas pela rua mesmo. Chupei um senhorzinho baixinho atrás da banca de revista. Trepei com um garotão de 20 anos, afoito e de gozo fácil no muro perto da construção. Era a única dali que aceitava isso. Porém, o melhor da noite viria quando um carro parou próximo de mim no ponto. Perguntou se estava disponível. “Sempre”, respondi. “Entre”, ordenou a voz.
Quando entrei e vi o rosto do meu novo cliente. Quis sair, mas ele não permitiu. Eu estava ofegante, assustado. Ele disse que deveria ficar calmo. Queria apenas conhecer meu trabalho. E que deveria tratá-lo como se fosse qualquer outro cliente. Era meu pai
Partiu dali me levando a um motel. Não tinha coragem de olha-lo. Tremia, chorava baixinho. E ele apenas dirigia. “O senhor vai me bater? Quer me humilhar?”, perguntava. Ele não respondia. “Me deixe ir!! O que ganhas com isso papai?”, continuei. Ele nada respondia.
Chegamos. Ele ordenou que saísse do carro. Fomos ao quarto. Nunca o tinha visto daquele modo. Percebia sua excitação nas calças. Meu medo logo deu vazão ao tesão. “O que o senhor deseja?”, perguntei olhando em seus olhos.
Ele avançou.
Beijou-me.
Abraçou-me forte.
Mordeu-me.
Deu-me tapas.
Xingou-me.
Me fodeu.
Gemia alto. Arfava. Parecia querer aquilo há tempos.
Acabou. Jogou o dinheiro em cima da cama: cem reais.
Largou-me no motel, acabado, gozado.
Parti. “A noite continua”, pensei.
Sai zonzo.
Tinha acabado um programa com meu próprio pai.
Cheguei em casa no mesmo horário. Ele não estava lá me esperando como de costume para me julgar.
Na hora do almoço ele me chamou. “Tudo bem filho?”, perguntou. Abraçou-me. Mamãe estava feliz. Olhava para meu pai com orgulho. Aquele foi o primeiro almoço feliz que tivemos desde que assumi.
(Claro que achei estranho. Mas era muito bom me sentir da família de novo).  
Fim de tarde fui atrás de explicação. Indagado, dobrou o jornal que lia, olhou-me nos olhos e disse, “Não tá na tua hora?”. Parti para mais uma noite. Sem minha resposta. E com uma certeza. Ele iria me encontrar. 
       

De-m-ent-e


Para aqueles que fazem as "escolhas corretas". Viva a insensatez. 



[René Magritte, "A reprodução proibida", 1937]

Ah, ando sem criatividade. Não consigo produzir. Era movido pela dor e angústia. E hoje que vivo feliz, não tenho o que escrever.
A felicidade me inibe: “isso é coisa de louco. Gente pirada” – ela me fala.
Sou meio maluco mesmo. Arrumei um amor pra mim. Decidi casar. Acreditam?
Tenho até um filho. Sou feliz! Bem resolvido.
Sinto falta da minha criatividade. Sentiu-se traída. E pudera.
Era da noite, hoje sou do dia. Era das mulheres, hoje sou DA mulher.
Não tenho mais tino. Sou desconectado. Sou abestalhado.
Vazio. Quase ingênuo. Arruma-dor de palavras tortas.
Frases feitas e conectadas.
Esse não sou eu.
Demente por conta da felicidade excessiva.
Não me basta. Sinto falta dos finais de semana sem fim. Das noites sem dia. Das moedas contadas no bolso. Da menina de sorriso largo e cabelo bagunçado.
Aaah e o cigarro. Parei de fumar. Larguei as roupas rasgadas e sujas. Deixei os livros de sexo e política de lado. Rasguei as fotos dos ídolos.
Sou vegetariano. Faço academia. Roupas de marca. Livros sobre administração de empresas. Fotos da mulher e do filho.
Tenho medo dos mendigos e pivetes nas ruas. Um dia na vida já bebi com eles.
Desorganizar, sem hora pra voltar, um dia de cada vez. Ficou para trás.
Dançar ao som do acaso. Viver por conta da sorte. Beber por profissão. Ficou para trás.
Quem me deu isto? Cavalo de Troia.
Virei demente. De-men-te. Dem-em-te. D-emen-te. Demen-te.
Sumi. Me perdi.   

     

“Aquela mulher até hoje está me esperando...” Final

Quando escrevi esse conto em outubro ou novembro do ano passado, adorava. Hoje nem tanto. Mas como já comecei a postar, ai esta o final. Apreciem. Isso só demonstra o quanto mudamos. Tudo vale a pena.  





Em fração de segundo, Valentina me beijou com ternura. Envolvendo-me com seus braços. Era gostoso. Tinha um gosto bom. Retribuindo aquele beijo, passava a mão por seus cabelos e a segurava firme pela cintura.  Acordei do seu lado. O sol invadia o quarto. Ela estava deitada de bruços, em cabelo em desalinho. Linda! Fiquei admirando tal formosura de mulher. Nem acreditava que tudo estava acontecendo. Tínhamos passado a noite. Aos poucos ela foi despertando e me presenteando com um lindo sorriso.

Seguiram-se os dias mais felizes da minha vida. Eu a namorava. Sim, a garota linda da vitrine, que um dia foi apenas sonho! Íamos a Traça, ao barzinho, ao cinema. Conversávamos muito, escutávamos sambas da década de 1930 e rock dos anos 70.  E depois, fazíamos amor, de forma louca e insensata. 
Fiquei com Valentina por longos e felizes 4 anos. No entanto, “por que tudo no mundo acontece...?” E no quarto ano, começamos o princípio do nosso fim. Ela começara a trabalhar no Arquivo Público. Estava realizada profissionalmente.  Fez novas amizades. Contudo, não me contou de todos. Não me contou sobre Ele. Logo travaram uma amizade. Ele se apaixonou por ela. Sempre fazia de tudo para atrai-la. E quando soube que era comprometida. Não aceitava que ela não quisesse ter outras experiências. E eu não sabia. Ela nunca se preocupou com as investidas do rapaz.
Fazia uma linda tarde de sol. Lá pelas 5 da tarde, sai de nossa casa e fui buscá-la. Queria levá-la para ver o pôr do sol no Forte do Castelo. Quando estava chegando ao Arquivo, eu a encontrei aos beijos com este rapaz.  O sangue ferveu de ódio. Mas não sabia o que fazer. E acabei indo embora. Não consegui ir pra casa naquela noite. Ela me ligava incessantemente, mas, eu não atendia. Dormi fora, na casa de Carolina, uma amiga. Não queria vê-la nunca mais. Não acreditava que ela poderia fazer aquilo. Meu jeitão introspectivo retornara. Não conseguia falar com ninguém sobre o ocorrido. No dia seguinte, sai da casa da amiga e fui para casa de minha mãe. E lá fiquei refletindo. Minha linda? Com outro? Esse era o fim que eu não precisava.
Passaram-se dois dias depois do ocorrido. E eu não dava as vistas na nossa casa. Ela já estava desesperada, falaram-me os amigos depois. Todos queria saber por que eu sumira. Mas não conseguia falar. Não queria falar. Queria que tudo aquilo fosse um pesadelo. Pensei em viajar e não falar mais com ela. Pensei em simplesmente sumir e deixar que ela vivesse a vida com o tal rapaz. Afinal de contas, ela sempre fora mais forte que eu. Mas enfim. Nada fiz. Nada. Absolutamente nada.
Uma semana depois. Tomei coragem e fui até nossa casa. Mas antes liguei para o celular e dava caixa postal. Liguei para casa, no horário que sabia que ela estaria lá e ela não atendeu. Pensei comigo, “ela está se vingando de mim” – já que não atendia meus telefonemas.
Quando cheguei ao prédio, o porteiro me cumprimentou, perguntando como tinha sido a viagem. Fiquei sem saber o que responder. Ele vendo minha surpresa, disse que Valentina havia comentado com ele que eu viajara a trabalho. Apenas acenei com a cabeça positivamente e respondi que tinha ocorrido tudo bem. Ele me entregou mais de vinte correspondências, estranhei a quantidade, contudo, agradeci e subi. Peguei o chaveiro no bolso da calça e abri a porta, chamando por ela. Procurando encontrá-la sentada no sofá, tomando vinho, de meias azul claro, me olhando surpresa. Mas não a vi. Minha chateação já se dissipava. E a casa cheirava a rosas brancas.
Comecei a chama-la pelo apartamento. Ela não respondia. Mas eu sabia que ela deveria estar em casa. Decidi ir até o quarto e nada. Acabei retornando para a sala. E decidi fazer um jantarzinho especial para ela. Faria o prato favorito dela. Preparei tudo. E ela não chegava.
Liguei mais uma vez para o celular e continuava na caixa postal. Valentina estava demorando naquele dia. “Vou tomar banho”. E para minha surpresa. Ela estava lá quando abri a porta do banheiro. Morta. Com os pulsos cortados. Não conseguia acreditar no que presenciava. Corri agarrei seu corpo frio e inchado. Chorava e beijava. O banheiro tinha o cheiro dela. Era tarde demais. 
Passei o resto da noite venerando seu corpo. Não conseguia me mover. Estava em choque. Até o telefone tocar as 7 da manhã. Parecia estar saindo de uma espécie de transe. Levantei, andei pelo apartamento e atendi ao telefone. “Alô”. “Alô. Bom  dia, Valentina? É você?”. Era voz de um homem. Não pensei em nada. Apenas desliguei. E o telefone tornou a tocar. Sai dali. Sem rumo. Não sabia o que fazer.  Duas horas depois a polícia já tinha ido até o apartamento. A voz no telefone era Ele. Que não satisfeito, foi até nossa casa e encontrou a porta aberta e Valentina morta. Todos me procuravam. A polícia queria averiguar os fatos. 
Depois de três dias me encontraram vagando pelas ruas, ainda em transe, chamando por ela. Alguns amigos, sensibilizados, cuidaram de mim. Não entendia por que ela tinha feito aquilo. Era linda. Inteligente. Trair-me? Se matar? Por que?
Alguns anos depois, estava na Traça, vendo os lançamentos. Tendo superado parte do ocorrido. Eis que sinto um toque no braço. Era Ele. O rapaz do beijo. Fiquei sem ação, mas em seguida me afastei. Ele insistiu e me seguiu. Pediu-me calma. Queria apenas conversar. Saber como eu estava. Bufei de odeio. “O que Ele queria? Já não bastava tudo que tinha acontecido?” – pensei.
Reafirmando que gostaria de conversar. Acabei concordando. Não sei o que aconteceu, mas queria saber o que Ele queria. Saímos dali e fomos até um bar do outro lado da rua. Sentamos e pedimos um cerveja. Ele se apresentou. Disse que se chamava Pablo. E que tinha trabalho com Valentina no Arquivo. E que sentia muito tudo que tinha acontecido a mim e a ela. Que sentia muito carinho por ela. Neste momento não aguentando, falei que sabia bem disse, pois tinha visto eles se beijando no dia tal. 
Ele tomado pela surpresa da revelação disse que não queria que fosse daquele modo. Não entendi e mandei que se explicasse. Ele disse que naquele dia, pediu a Valentina para acompanhá-la, mas ela não permitiu. Insistiu e ela negou novamente. E no momento da despedida, ele a tomou pela forçou e deu-lhe um beijo. Momento que presenciei. O que não vi, pois fui embora. Foi que Valentina o empurrou e deu lhe um tapa no rosto, para conter sua ousadia. E saiu de lá, direto para casa.
Fiquei sem chão. Não sabia o que pensar. Não sabia o que falar. Como podia ter pensado que ela me trairia? Sentia uma culpa imensa. E um filme começou a rodar na minha frente. E ele continuava falando, que ao longo daquela semana, tinha conversado com ela e Valentina se queixava que eu me ausentara. Ele completava que ela não compreendia o que teria feito para que eu agisse assim. Sofria o meu amor pela minha indiferença. Pablo disse ainda que no último contato, ela disse que não se sentia bem, iria tomar alguns remédios para dormir e assim foi.
Sai correndo do bar. Chorando. Não sabia o que fazer. Fui direto para o meio da rua. Queria morrer. Não acreditava que tinha sido assim. Que ela morrera por mim. Por que não fiz nada. Por que não tomei uma atitude. Por que não tive coragem de ir atrás de quem mais amava. Apesar de estar no meio da rua, o máximo que consegui foi parar o trânsito e Pablo veio ao meu encontro para me tirar da frente dos carros que buzinavam ensandecidos.
Apenas gritei que queria ficar só. E ele respeitou. Saiu de lá, me deixando na calçada, de frente a Traça. Passei quase uma hora lá. Olhando pra vala, vendo a água correr.    
Depois deste dia, não fui mais a mesma pessoa. Definhei por dentro. Sentia culpa. Sentia raiva de mim. Mas pelo menos sabia que ela não tinha me traído. Eu a matei. Ela não tinha culpa de nada. Tudo era culpa minha. Ela continuava linda, divina, como na tarde que a encontrei pela primeira vez na Traça, carregando livros que derrubei de seus braços.
Sempre a encontro sentada no Café; de pernas cruzadas; com um vestido de algodão branco; concentrada na leitura de um livro. De lá ela levanta a vista e me sorri. E some. E desde então, as madrugadas são longas, meu eterno castigo.... Mas sei que ela está me esperando.



Ai vai meu coração





Mariano,



Vou embora hoje amor. Não consigo mais permanecer nessa situação. Prometes mudar, mas não é assim que vejo. Não te empenhas em nossa relação. Larguei tudo na vida e sabes disso. Nunca me arrependi. E tu, para assumir nosso amor? O que fizestes? Nada.

Continuas com teus vícios: mulheres, bebedeira, noitadas. Nunca te impedi, apesar de me desagradar. Fiquei noites sem dormir. Haja preocupação contigo. Te esperando chegar pra curar teu porre. Nem conheço os tais amigos que tanto falas, nunca fostes onde trabalho. Tens vergonha de mim. Só sabes de mim na cama, quando te dou o prazer que ninguém nunca deu.


Lavo, passo, varro. Tiro as manchas de cimento de tua roupa. Passo teus uniformes. Varro tua casa. Faço tuas vontades. E pra me agradar, nem ao menos deixas de ir ao maldito futebol, um domingo que seja pra ficares comigo.

Sai de casa por ti. Papai não quer me ver por hora. Nem tenho pra onde ir. Mas mesmo assim vou, prefiro a surra de pai, a tua indiferença.


Te amei muito Mariano. Por hora só tenho raiva. Raiva sim. Porque ainda sinto prazer contigo. E pior, porque ainda penso se realmente devo ir. Por favor, não me procure. O que queres, encontras hoje em qualquer esquina. Sei bem que vais ler e rasgar essa carta.

Pois bem, não irei me estender.
Adeus...


                                                                                  Inácio.  

  


domingo, 8 de maio de 2011

O resignado

Um amor doído. Para todos os resignados. 


[Os Amantes de René Magritte, 1928]


Acordei cedo. Olhei pela janela, lá fora a chuva caia fininha.
Estava sozinho.
Mais uma vez.
Na mesa um bilhete que dizia:
“Cliente novo. Te amo. Soninha”.
Levantei-me. Fui até a cozinha procurar por café. A sala estava bagunçada, desde a noite passada, do nosso amor frenético.
Catei as revistas, os porta-retratos e as chaves.
Arrumei-me. Fui trabalhar.
Lá encontrei Raul, Fernando e João.
Animados. Tinham passado a madrugada na farra. Escutei quando Fernando disse “aquela puta tinha um rabão, não tive pena”. João continuava “foda cara, meu pau tá doendo, mas gostei de ver, ela aguentou tudinho”. E Raul completou “égua, ela engoliu toda minha gala”.  As gargalhadas continuavam.
Não queria nem imaginar de quem falavam. Mas isso não me impediu de encontrar com eles. “Porra Arthur, perdeste a madrugada de ontem, pegamos uma puta muito firme” disse João. Os cumprimentei com a cabeça e antes que tivesse que me manifestar, a secretária me avisou que o chefe esperava por mim. “Ufa” pensei aliviado.
No dia seguinte. Eram outros que falavam da tal puta. E durante a semana o falatório entre os homens só aumentava. Não tinha coragem de perguntar pra Sônia se era ela que andava fazendo hora extra com aqueles filhos da puta.
Ela é tão linda. Cabe direitinho no meu peito. Suas mãos acariciam meu rosto, meu nariz, minha boca e descansam no meu peito. Fazemos amor. Em cabelo em desalinho, ela sorri e geme baixinho. Pra mim é o suficiente. Pra ela não.
Na sexta-feira decidi conhecer a tal puta que todos comentavam. Estava com o coração na mão. Partimos pra um motel qualquer. Íamos no carro de Fernando. Todos estavam eufóricos.
Quando vi aquela mulher de costas – a meia luz – que iniciava uma dança sensual na cama fiquei aliviado. Não se tratava de Sônia. Era loura. Ela dançava e rebolava. Só de fio dental. Os rapazes estavam loucos. No cio. Gritavam. Deflagravam tapas na moça e diziam obscenidades.
Minha tranquilidade durou pouco. Ela virou de frente. E paralisou assustada a me ver na plateia. Virei pedra. Os rapazes gritavam insanos. Eu apenas fiz um sinal de que ela deveria continuar.
Raul foi o primeiro a tirar o pau das calças e puxar a garota com violência para chupá-lo. Ela olhava-me nos olhos. Rapidamente veio  Fernando oferecendo-a seu pau também. Ela chupava com agilidade sem tirar os olhos de mim. João sem entrar na disputa, penetrou-lhe o cu. Os quatro fodiam feito animais. A moça era surrada por picas. Sem reclamar. E eu chorei.
Numa dessas, João puxa o cabelo da puta, retirando-lhe a peruca que usava. Tive certeza que se tratava de Sônia. As lágrimas rolavam meu rosto e os dela também. Agora os rapazes se revessavam. Fernando deitado penetrando-lhe a buceta e Raul o cu. João fodia a boca, engasgando minha puta.
Ela me chamou. Pediu-me para fode-la como a puta que era ali. Os rapazes viram que eu chorava. Mesmo assim estava de pau duro.  Não tive dó algum: mordi, bati, xinguei e chorei. Fodia com ódio e amor que tinha por ela.
Lambuzei-a com meu gozo na cara.    
Sem dizer nada a alguém, sai do motel transtornado. Sentei num boteco na praça. Pedi uma dose de rum. Depois fui pra casa.
Ela estava lá. Tinha feito o jantar. Esperava por mim. Beijei sua boca. E sentamos para comer.
Mais um dia chegava ao fim, para nós dois.