Nas esquinas da vida...

"Se o tivesse escrito para procurar o favor do mundo eu teria me ornado de belezas emprestadas ou teria me apresentado com minha melhor pose. Quero que me vejam aqui no meu modo de ser simples, natural e ordinário, sem afetação nem artifício: é a mim mesmo que pinto". (M. de M.)

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Próxima estação




Da vida todo mundo conhece um pouco. Os conselhos e os clichês são diversos. Mas no fundo, nenhum deles são regras. Sempre se segue os caminhos inversos dos discursos. Sempre se telefona no meio da noite. Envia-se aquela mensagem por saudade. Um e-mail. Um texto off-line no msn. O que seja. Só se quer atenção. Saber que ainda é importante para alguém. Por mais que não se consiga corresponder os sentimentos doados. Por mais que o sentimento já não seja tão forte como antes. Solidão dói, meu amor. Mesmo que seja por opção! Indiferença, frieza, vingança também, meu amor! Por mais que os planos e visão de mundo estejam claros na mente, isso não é para alguém! Doloroso saber disso e ter que aceitar tudo, de cabeça baixa, ou não? Não se escolhe magoar – na maioria dos casos –, talvez não se consiga fazer entender ou realmente é muito complicado. Seja o que for amor meu grande amor, não chegue agora, essa não é a hora marcada, nem pra mim e nem pra ti. Porque hoje não posso te oferecer um abrigo, um ombro, uma cama. Mas isso não significa que nunca o farei, entretanto, corro o risco de que minha hora já tenha passado e só te encontre em outro vagão. Acompanhado. Um medo invade meus pensamentos, uma angustia e um nó na garganta. Mesmo assim, já comprei o próximo bilhete.   

Barão da Ralé






terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Chanel



De longe se escuta o soar dos saltos na calçada.
Ela chega de mais uma noitada.
Bolsa na mão esquerda. Chaves na direita. 
Não é puta.
A noite foi boa, mas amanhã precisa trabalhar.
É forte. Determinada.
É sozinha.
Por opção.
Entra em casa, joga a bolsa no sofá. 
Tira os saltos Chanel.
Abre o zíper do vestido preto, que fica no corredor, e entra no banheiro.
Se olha no espelho, ri pra si mesma, a noite foi realmente boa.
Estica a pele de perto dos olhos, acha que já está na idade de se submeter ao fetiche da estética.
Retira o que sobrou da sombra preta.
Abre o chuveiro e observa a água cair.
Esse não seria o primeiro banho mais demorado que tomara.
Abre a porta do armário, pega a xícara de estimação, põe água, duas colheres de leite e uma de chocolate. Tudo pro micro-ondas.
Enquanto espera eternamente por um chocolate quente, pensa nas coisas que tem pra fazer logo de manhã. Observa o corredor da casa vazia e lembra de dias mais animados e felizes.
É interrompida pelo soar do micro-ondas.
Senta-se na frente do computador: msn vazio, facebook não tem, tv a cabo, só nos sonhos.
É o jeito assistir um pouco de Jô.
A paciência não dura nem um minuto.
Olha pro lado esquerdo da cama e avista o novo livro que comprara no sábado: Billie Holiday – biografia.
Não consegue ler uma página se quer, sem chorar.
Logo o abandona.
Deitada observa o quarto.
Observa a pilha de livros.
As garrafas de bebida.
O ventilador ligado.
A luz que insiste pela fresta da porta adentrar a escuridão do quarto.
Cai a ficha: se chama solidão.
Levanta, mas permanece na cama, sustentada pelos braços posicionados atrás.
Pensando no que pode fazer aquela hora, está sem sono.
Lembra que tem trabalho em casa.
Abre as pastas com os arquivos, mas não consegue se concentrar.
Lembra que por pouco esqueceu de passar o hidratante no rosto pra dormir.
Volta ao espelho, agora sem risos, de rosto limpo, espalha a pomada, se observa, aponta falhas.
O telefone toca, sai correndo para atender: engano.
Anda pela casa, buscando algo para se ocupar.
Tem vontade de conversar, mas nem um gato tem.
A opção é dormir.
Pensar na roupa que vai usar amanhã.
Observa as unhas, ainda estão pintadas.
Sem saída, acerta o despertador e espera o sono vir.
Porque o preço das escolhas já está lá.

Barão da Ralé



segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Rafie

Onde eu estava quando você cresceu – exclamou ele.
Depois de longos anos ele ressurgiu, numa calça marrom, blusa social e sandálias de dedo.
Trouxe-me algumas fotografias, de tempos imemoriáveis.
Um brinco e cordão de ouro.
Entregou-me em uma caixinha laranja, que guardo até hoje.
Enquanto ele me contava como tinha sido nos lugares por onde andou, eu o observava:
como gesticulava,
seu sotaque,
e como piscava pra mim, no final de cada história.
Tinha 24 anos, mas me senti com 9.
Meus cabelos eram com frequência desalinhados por sua mão grande com dedos esguios.
Como você cresceu – a exclamação era permanente.
Saímos para comer peixe com bastante pimenta.
Tomar uma cerveja.
No final do dia, ele escondia nos meus bolsos uns bolinhos de dinheiro.
Que eram rapidamente rejeitados.
Não os queria mais do que queria a ele.
Nossa comunicação era precária, mas nosso olhar dizia tudo.
Ele, admiração.
Eu, medo.
Era surreal ver aquele sorriso largo, até parecia eu.
Aqueles cabelos pretos e lisos.
Aquela sola de pé grossa e marrom.
Corpo lento, largo e alto.
Era diferente de todos.
Mas com o tempo acabou como lembrança corroída
e saudade apertada no peito.

Por Barão da Ralé  
  



domingo, 15 de janeiro de 2012

Perturbação



Ultimamente tenho vivido do lado escuro da vida.
Lá é um horror, só vejo a mim mesmo.
As noites são eternas e os cigarros infinitos.
As mulheres sedentas e os homens vivem entorpecidos.
Tenho tentado me adaptar. Mas ainda não consigo ver no escuro.
Escuto sempre a mesma música. Que soa familiar.
Mas no final das contas vem do rádio do bar, que é aberto 24 h.
Sinto saudades do sol. Do mar. Do vento.
Sinto saudade de viver.
Mas não posso voltar por hora.
Magoei alguém. Feri a mim.
Cortei minha carne. Assinei em baixo.
Ontem vi teu rosto sob a luz do sol, não esqueço o brilho dos teus olhos e teu sorriso.
Era sonho. Acordei no mesmo lugar. A mesma música.
Com um copo cheio esperando por mim.
Aqui eu não sou o que conheces, sou apenas eu.
Bruto, ouriçado, rude, selvagem, nu.
Sempre tive medo de ver como eu era...
Tomei um susto.
Sou lindo. Por fora.
Mas isso pouco importa aqui, como eu existem muitos, sou apenas mais um.
Todos bebem, se entorpecem, para esquecer um pouco como é o lado claro da vida.
Hoje farei mais uma vez, estou apenas no início.
  
Barão da Ralé