[Numa bar qualquer, com fotos da Belle Époque belenense, música popular brasileira na tevê e dois copos ainda cheios]
[Ela está falando]
O passado estava enterrado.
Sem importância. Sem merecer destaque algum.
[Ele indaga, chateado com aquilo]
Não, não se tratam de lembranças ruins, sabe?
No entanto, são lembranças que não merecem ser revividas.
Traze-las de volta é o mesmo que mexer num vespeiro.
Num ninho de caba.
Num escorpião.
São atraentes. Me fazem sorrir.
[Ela sorri]
[Mas, segue falando com expressão séria]
Mas são dolorosas, como mil facas que ao mesmo tempo cortam minha carne.
Ainda insisto que não tem importância.
Foram momentos que vivi... e nem estava nos planos te conhecer.
[Altera a voz e logo fala baixinho]
Acredite, elas não possuem valor.
Só me fazem lembrar o quanto errei, fui tola, ingênua,
o quanto [hesita]... me entreguei.
Isso porque trago comigo um histórico de erros.
Enganos.
Desencontros.
Coisas das quais pretendo um dia me livrar.
Mas por hora, não sei como fazer, sabe?
[Olha para um dos quadros na parede]
Tenho contas pra pagar, um projeto pra executar,
algumas disciplinas pendentes,
uma vida pra viver contigo.
[Eles se olham]
[Ela continua]
Coisas mais importantes.
Qualquer coisa que tenha vivido antes de ti, não tem valor.
É bem verdade que elas estão presentes no que sou hoje.
Mas cresci.
Hoje sou outra pessoa, ou uma pessoa modificada, melhorada.
Nem sei.
Porém, o que importa meu amor,
é que o passado não é mais importante do que nosso presente.
[Ele se chateia, não acredita no que ela fala, briga e ela se levanta]
[Está indo embora, mas retorna e continua]
[Voz alterada]
Me sirva mais um copo, me chame para conversar,
transar, ou que seja, ler poesias.
Vou adorar.
[Já mansa]
Não desista de mim, de nós.
[Suplica]
Tenho lá meus lapsos, meus erros, meu passado.
Isso não tem valor.
[Senta-se novamente na mesa, olha pro chão e continua]
No escuro do quarto, no frio da madrugada...
o que te ofereço é um pouco de verdade.
Sabes que desejava ter te conhecido antes.
Mas não foi assim.
[Toca Amor, meu grande amor, Angela Ro ro]
Me veja, me queira.
[Ele a observa]
É tudo que posso te oferecer.
[Ficam em silêncio]
[Ela chora copiosamente já bêbada]
[Ele a abraça e fala chateado, ruído por ela chorar por aquilo]
Desculpas, não sabia que isso te tocava tanto.
Era apenas curiosidade.
Não quis te chatear.
[Ela bate na mesa e quase grita]
NÃO TEM IMPORTÂNCIA!
Poxa, vivo contigo todos os dias.
Isso não é o bastante?
[Ele fala ríspido]
Mas não sei da tua mente!
Não sei o que pensas ou desejas!
Não sei!
[Eles permanecem calados]
[Se dão as mãos e se beijam, como se nada tivesse acontecido]
[Ela chora, pedi desculpas, bêbada]
[Ele pedi desculpas e vão embora].