Nas esquinas da vida...

"Se o tivesse escrito para procurar o favor do mundo eu teria me ornado de belezas emprestadas ou teria me apresentado com minha melhor pose. Quero que me vejam aqui no meu modo de ser simples, natural e ordinário, sem afetação nem artifício: é a mim mesmo que pinto". (M. de M.)

domingo, 27 de dezembro de 2015

Dezembro





Um copo pretensioso de cerveja e um aceno com a cabeça selariam a união entre estes dois corpos dispares, atemporais, solitários e nus. Em um sábado escrito no cosmos, eles trocaram palavras, olhares maliciosos e desejosos, mais um copo de cerveja, quem sabe? Sem perceber, eram conduzidos para um encontro de amor, um sentimento que palpitaria no peito, gritando, ousando se mostrar em público, desejoso de carícia,  de aconchego entre as pernas, de mãos entrelaçadas e acarinhadas. "Meu deus, que onda enorme me abate!" - exclamava ela em pensamento, sem compreender que estava envolvida até os fios cacheados de seu cabelo nos dedos dele enquanto ele a puxava para um beijo com a boca quente e ávida. Quanta malícia, quanto querer, proibido, mas querido. O tempo era curto, mas naquele momento transcorria lento, enquanto os lábios deles se sentiam pela primeira vez nesta existência, suas línguas enlaçavam-se, e suas salivas escapavam pelos cantos das bocas famintas. Ainda que o efeito do álcool os deixasse em dúvida, ambos tinham certeza de algo, queriam se tocar, precisavam se tocar, talvez ele mais do que ela, mas ela tinha certeza que queria ser possuída por ele. A cerveja chegava ao fim, o tempo corria acelerado, era próximo de meia noite e ambos precisavam acordar daquele delicioso transe, daquela atmosfera mágica que estavam envolvidos...ele disse "vem comigo", ela respondeu "eu vou"..., e fitou com certeza aqueles olhos esverdeados, jade, noutros azuis, e soube que embarcaria num amor jamais sentido, jamais experimentado, jamais saboreado.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

"Dois anônimos no paraíso"



Ele me recebeu com um beijo cheio de saudades. Me admirou, cheirando o pescoço e os cabelos desejando me tocar. Partimos para nosso ninho onde a rua serviu de sala de estar, nosso alimento a cerveja e o salgadinho de pacote. Dormíamos e banhávamos em motéis baratos. Quando cansados caminhávamos ora de mãos dadas, ora separados sob a lua ou o sol. Riamos, brigávamos, nos amávamos, cantávamos canções um para o outro. Juras de amor e promessas, que jamais serão cumpridas, eram proferidas. Foram talvez dois dias que pareciam dois meses, quem sabe dois anos. Sentados em um lugar qualquer na madrugada eu tinha a sensação de que o conhecia desde sempre. Quando ele me amava via em seus olhos algo familiar. Porém, a hora era nossa grande inimiga, correndo sempre depressa desejosa em nos separar. Quando queria ir embora não conseguia, e assim ia ficando vivendo aquele amor tão intenso, sentindo aquele prazer tão gostoso, gozando de tesão e luxúria. Neste instante, eramos amantes totalmente loucos, confundidos com casais apaixonados, confidentes, inimigos e amigos. Mas, desse amor restou pouco: arranhões, marcas roxas, uma boca seca, corpos doloridos e muita saudade. No fundo eu desejava viver tudo outra vez, não queria ir embora jamais desse momento, pretendia casar neste espaço de tempo e ali viver com o amanhã sempre nascendo para nós dois na rua, à margem da pista principal, sob o olhar dos transeuntes. Contudo, ao fim, acordei desse sonho na porta de casa e sem Meu Amor. 

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Eu não sei ver na escuridão

Ele diz me amar, mas eu sei que no fundo teme este sentimento. Não quer de modo algum se envolver e se ver atado em minhas teias. Teme ver sua imagem de bom moço arranhada, teme desagradar seus amigos e até inimigos, teme perder o que acredita ser seu: sua família. Diz que sou linda, especial, cheia de virtudes, mas que sou eu a culpada pelas loucuras que decidir fazer entre quatro paredes comigo. Ah, olhos cor de mar encantadores e reveladores de grande tesão e luxúria. São eles que me encantam enquanto promessas são disparadas da boca aflita. Que diferença faz? Tudo tem um preço, hora e dia marcado. É nisso que se resume todo seu amor. Ah, claro, e em cervejas. Muitas cervejas. Ele diz que deseja que eu vá com ele, mas tem medo, chora quando leio um texto bobo e não para de olhar o relógio. Que sorte ela tem ao lado dele, penso. Que sorte tem eles do carinho que recebem dele, penso. Sempre o observo falando da vida; de como é difícil planejar a agenda da semana; de como o dinheiro é curto; e o trabalho que hoje foi pesado. E eu com isso? Eu queria somente ter mais tempo, quem sabe mais espaço, quem sabe esse amor de verdade que ele diz. Caminhando pela rua lembro que estou com ele, que juntos projetamos sonhos modestos, que o amor não sabe esperar e a saudade dói. Pelo menos para mim. 
Mas, meus cabelos entram pela boca e olhos, o vento bate forte e a poeira sobe, e caiu em mim que não sei ver na escuridão e, finalmente, apanho o ônibus.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O ferrolho e a vida

O ferrolho da porta principal de casa, como sempre, emperrou. Fiquei tão irritada que machuquei o dedo tentando abri-lo. Chamei um enorme palavrão.
Durante anos eu batia o dedo neste mesmíssimo ferrolho, mas somente nesta noite decidi que iria resolver essa situação.
Peguei um martelo, óleo de máquina, uma chave de fenda. Estava decidida a solucionar este problema. Gastei horas naquele ferrolho maldito, e só consegui entorta-lo mais. Já entregando os pontos, sentei no chão e fiquei observado aquele troço, meu dedo ferido e o relógio que marcava as primeiras horas do novo dia. E como sempre, eu pensei, não conseguia resolver nada, nem consertar um simples ferrolho velho. Comecei a refletir que, em minha vida até aquele momento o  que eu inventava de fazer era como aquele bendito ferrolho. Ou seja, não me servia mais, me machucava durante anos, mas eu nada fazia. E quando tentava conseguia que ficasse ainda pior. Sentada ali no chão, fui além. Pensei que ao invés de martelar o ferrolho velho sem sucesso, deveria ir logo cedo comprar um novo e trocar este que somente me causava dor de cabeça. Mas num lampejo de apego ao velho e chato ferrolho, pensei "Mas, ele faz parte desta casa, combina com a porta". Neste momento, levantei com o martelo na mão e arranquei o ferrolho da porta. No fundo, pouco importava. Nesta noite dormi com a porta destrancada, sem nenhuma preocupação de alguém perceber a fragilidade da porta e entrar. O ferrolho velho foi para o lixo, lugar onde deveria ter ido faz tempo.
Logo pela manhã fui até o velho português da esquina e comprei um modelo novo, que exigia menos esforço ao abrir. Eu mesma coloquei.
Satisfeita, bati uma foto e enviei para aquele cara que durante anos eu não tinha coragem de deixar, com o título "minha porta tem um ferrolho novo, logo, na minha casa não entras mais. Beijos e até nunca mais".
A vida teve novo sentido, o ferrolho não me irritou mais e eu comecei a entender um pouco da vida.

Olhos verdes



Num tempo tão cinza, de tantas dificuldades e amarguras, teus olhos verdes foram para mim como faróis no mar tempestivo guiando um navegante perdido. Bastou uma troca de olhares para saber que iria te amar, te desejar, querer-te sentir por inteiro. Quem diria que dois olhos verdes me fariam arder de paixão? Quem se atreveria a dizer que estes mesmos olhos seriam meus para todo sempre?  Não nego que este é meu maior desejo, maior até do que ter teus beijos, teus abraços, teu cheiro no meu corpo. Ainda que o meu horizonte se apresente turvo hoje, são teus olhos verdes que clareiam meu caminho, indicando que ainda há muito mais para percorrer. Então, não me deixe, não deixe de me olhar sorrindo com esses olhos verde-mar cada vez que te beijar, te cheirar e sussurrar em teu ouvido que te amo sempre. Hoje são eles que me guiam pelas ruas buscando encontrar o paraíso em teu abraço. São eles também que me fazem ter certeza de que não poderia morrer sem te encontrar. São estes lindos olhos verdes, que sem saber ao certo, eu pressentia faltar em minha vida. Então, meu amor, me beije e me ame a cada minuto que estivermos juntos, como se fosse o último. E, peço, jamais deixe que estes olhos verdes se percam de mim.