Nas esquinas da vida...

"Se o tivesse escrito para procurar o favor do mundo eu teria me ornado de belezas emprestadas ou teria me apresentado com minha melhor pose. Quero que me vejam aqui no meu modo de ser simples, natural e ordinário, sem afetação nem artifício: é a mim mesmo que pinto". (M. de M.)

quarta-feira, 12 de junho de 2013

2


Eles são dois.
Dois sentados lado a lado.
Lado a lado no assento do coletivo.
Coletivo vago, com muitos assentos também vagos. Mas eles estão lado a lado.
Não conversam. Não se olham. Mal vivem.
São dois.
Dois estranhamente conhecidos. Vivem juntos. Dividem o apartamento 208.
Mas são agora somente dois, sentados lado a lado, num coletivo vago, que não conversam, não se olham, mas tentam viver.
Viver o que um dia foi “sim, eu aceito” seguido de muitas juras de sentimentos mútuos para o restante da existência de ambos.
Talvez viver o suficiente para pagar as contas, dar uma volta do shopping e voltar para casa.
Ou simplesmente tentam viver, ansiando por sentido, como um peixe por água fora dela.
Eles agora percebem que são “um”. Sentados lado a lado. Num coletivo vago. E que devem viver.
Olham pelas janelas do ônibus buscando nas bocas dos desconhecidos respostas. Quem sabe encontrar onde falharam tempos antes. Quem sabe remediar o irremediável.
Sim, são dois, mas percebem que mesmo em meio à chuva que lava a cidade e molha suas roupas ainda podem ser um.
Independente das farpas trocadas durante o café da manhã, ele estende o guarda-chuvas e a convida para se proteger da chuva que pegou os dois de surpresa.
Ela esboça um sorriso à lá Monalisa, como se desejasse agradecer, mas logo se retrai e lembra que aquilo apenas vai durar 10 ou 16 minutos. Somente o tempo de a chuva passar.
 E tornam-se dois estranhos de novo, já fora do coletivo, aguardando a chuva passar. É só uma chuvinha, contempla ele. Ela acena com a cabeça concordando e perdida nos seus próprios sentimentos.
Você pode seguir sozinha? Tenho que ir – ele indaga.
Ela somente acena afirmativo com a cabeça novamente.
E mais do que nunca eles são dois. Cada um no seu caminho. Buscando seu sentido.