Nas esquinas da vida...

"Se o tivesse escrito para procurar o favor do mundo eu teria me ornado de belezas emprestadas ou teria me apresentado com minha melhor pose. Quero que me vejam aqui no meu modo de ser simples, natural e ordinário, sem afetação nem artifício: é a mim mesmo que pinto". (M. de M.)

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O ferrolho e a vida

O ferrolho da porta principal de casa, como sempre, emperrou. Fiquei tão irritada que machuquei o dedo tentando abri-lo. Chamei um enorme palavrão.
Durante anos eu batia o dedo neste mesmíssimo ferrolho, mas somente nesta noite decidi que iria resolver essa situação.
Peguei um martelo, óleo de máquina, uma chave de fenda. Estava decidida a solucionar este problema. Gastei horas naquele ferrolho maldito, e só consegui entorta-lo mais. Já entregando os pontos, sentei no chão e fiquei observado aquele troço, meu dedo ferido e o relógio que marcava as primeiras horas do novo dia. E como sempre, eu pensei, não conseguia resolver nada, nem consertar um simples ferrolho velho. Comecei a refletir que, em minha vida até aquele momento o  que eu inventava de fazer era como aquele bendito ferrolho. Ou seja, não me servia mais, me machucava durante anos, mas eu nada fazia. E quando tentava conseguia que ficasse ainda pior. Sentada ali no chão, fui além. Pensei que ao invés de martelar o ferrolho velho sem sucesso, deveria ir logo cedo comprar um novo e trocar este que somente me causava dor de cabeça. Mas num lampejo de apego ao velho e chato ferrolho, pensei "Mas, ele faz parte desta casa, combina com a porta". Neste momento, levantei com o martelo na mão e arranquei o ferrolho da porta. No fundo, pouco importava. Nesta noite dormi com a porta destrancada, sem nenhuma preocupação de alguém perceber a fragilidade da porta e entrar. O ferrolho velho foi para o lixo, lugar onde deveria ter ido faz tempo.
Logo pela manhã fui até o velho português da esquina e comprei um modelo novo, que exigia menos esforço ao abrir. Eu mesma coloquei.
Satisfeita, bati uma foto e enviei para aquele cara que durante anos eu não tinha coragem de deixar, com o título "minha porta tem um ferrolho novo, logo, na minha casa não entras mais. Beijos e até nunca mais".
A vida teve novo sentido, o ferrolho não me irritou mais e eu comecei a entender um pouco da vida.

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