Nas esquinas da vida...

"Se o tivesse escrito para procurar o favor do mundo eu teria me ornado de belezas emprestadas ou teria me apresentado com minha melhor pose. Quero que me vejam aqui no meu modo de ser simples, natural e ordinário, sem afetação nem artifício: é a mim mesmo que pinto". (M. de M.)

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Chanel



De longe se escuta o soar dos saltos na calçada.
Ela chega de mais uma noitada.
Bolsa na mão esquerda. Chaves na direita. 
Não é puta.
A noite foi boa, mas amanhã precisa trabalhar.
É forte. Determinada.
É sozinha.
Por opção.
Entra em casa, joga a bolsa no sofá. 
Tira os saltos Chanel.
Abre o zíper do vestido preto, que fica no corredor, e entra no banheiro.
Se olha no espelho, ri pra si mesma, a noite foi realmente boa.
Estica a pele de perto dos olhos, acha que já está na idade de se submeter ao fetiche da estética.
Retira o que sobrou da sombra preta.
Abre o chuveiro e observa a água cair.
Esse não seria o primeiro banho mais demorado que tomara.
Abre a porta do armário, pega a xícara de estimação, põe água, duas colheres de leite e uma de chocolate. Tudo pro micro-ondas.
Enquanto espera eternamente por um chocolate quente, pensa nas coisas que tem pra fazer logo de manhã. Observa o corredor da casa vazia e lembra de dias mais animados e felizes.
É interrompida pelo soar do micro-ondas.
Senta-se na frente do computador: msn vazio, facebook não tem, tv a cabo, só nos sonhos.
É o jeito assistir um pouco de Jô.
A paciência não dura nem um minuto.
Olha pro lado esquerdo da cama e avista o novo livro que comprara no sábado: Billie Holiday – biografia.
Não consegue ler uma página se quer, sem chorar.
Logo o abandona.
Deitada observa o quarto.
Observa a pilha de livros.
As garrafas de bebida.
O ventilador ligado.
A luz que insiste pela fresta da porta adentrar a escuridão do quarto.
Cai a ficha: se chama solidão.
Levanta, mas permanece na cama, sustentada pelos braços posicionados atrás.
Pensando no que pode fazer aquela hora, está sem sono.
Lembra que tem trabalho em casa.
Abre as pastas com os arquivos, mas não consegue se concentrar.
Lembra que por pouco esqueceu de passar o hidratante no rosto pra dormir.
Volta ao espelho, agora sem risos, de rosto limpo, espalha a pomada, se observa, aponta falhas.
O telefone toca, sai correndo para atender: engano.
Anda pela casa, buscando algo para se ocupar.
Tem vontade de conversar, mas nem um gato tem.
A opção é dormir.
Pensar na roupa que vai usar amanhã.
Observa as unhas, ainda estão pintadas.
Sem saída, acerta o despertador e espera o sono vir.
Porque o preço das escolhas já está lá.

Barão da Ralé



2 comentários:

Ana Bittencourt disse...

Muito bom! Muita clareza mental, sem sentimentalismo, sem auto-piedade. Gostei mesmo.
Só um detalhe: esperar o sono vir. (nao vim)
Bjos, parabéns

Barão da Ralé disse...

Oi Paty,

Obrigada pela comentário e pela correção ;)
Saudds de ti.
Beijos!