... Na realidade estou buscando
o início deste texto. Agora passa por minha cabeça uma infinidade de começos,
mas nenhum deles é interessante o suficiente. Que tal começar por anteontem,
quando quase morri. Ou por agora, que estou sentado no escuro sozinho. Meu avô
sempre disse que quando começamos acordar de madrugada, andar pela casa, abrir
e fechar a geladeira (sem querer nada) é por que a solidão chegou. Ou será que tenho algo para resolver e não
consigo? O mesmo disco toca, já sei as músicas que virão na sequência. Copos
estão sujos no parapeito da minha janela. As roupas em pilas são montes no
horizonte do meu quarto. Os livros marcados pela metade, com um pedaço de papel, esperam o dia que a
leitura seja continuada. Algumas moedas sob a mesa. Um único cigarro faz
companhia a minha carteira. Mas nenhum um pingo de Martini.
Rolo na cama esperando o
momento de redenção com os amigos, que cobram minha presença, mas só quero
estar sozinho. Não por mal ou por que alguém é chato demais, fala demais ou o
que seja. Mas por que vivo um momento de recolhimento. Quase automático. Já sinto
que a textura da minha pele está mudando, minha voz, meu comportamento, meus
pensamentos, meu paladar. Estou em transformação. Vejo no horóscopo semanal que
preciso ter calma, que este momento passará em breve. Mas será que meus companheiros
e amigos saberão me entender e esperar por mim, como um dia eu esperei por eles?
Que seja. Não os obrigo a nada.
Bem que as contas do mês poderia me esperar sair deste transe transformador
para chegarem a minha porta. Mas não. Continuam chegando e me fazendo lembrar
que sou um sujeito civil que deve prestar contas com a sociedade que me concebeu
e hoje rejeito, repudio, cuspo no prato, falo mal, crítico nas redes sociais. Cansado,
me calo. Sou apenas mais um – assim penso. Prefiro escutar músicas de protesto
e colocar excertos aparentemente interessante no Face Book (olha, ele é cult), do que ir para rua, de fato, mostrar que protesto e
tenho raiva comigo de estar nesta bosta que não fede, mas me besunta todo, até os cílios.
Sim, não sou pessimista. E porque não escrevo mais sobre morte, sexo, sujeitos do povo? Por que não quero. Já
fui criticado, bem diziam que eu não escrevia nada com nada. E não escrevo
mesmo. Ou melhor, ainda bem que escrevo. Hoje meu nada com nada me colocou aqui
neste trono eterno de solitude. É impressionante sua falta de senso de humor. Desculpe-me
por rir.
Bom, continuo aqui, sem saber
como começar este texto. Enrolando, falando um pouco dos meus problemas e da
minha frustração, e nada de começar. Sempre fui livre, sabe? Já gostei de
compromissos, promessas eternas, responsabilidade, expectativas e tudo isso. Hoje
não. Faça o que quiser, vá onde desejar, me leve ou não. Não deixo de te amar. A
vida é isso, como um rio, que enche e seca, vai e vem, mata e alimenta. Conta história
e silencia outras. Mas como seres humanos, nossas experiências constituem
grande parte do nosso aprendizado e também nos moldam. E dado isto, para estar
comigo não é preciso assinar nada, me prometer o que seja já sei que um dia
vais embora, que um dia alguém mais interessante vai surgir... Enfim, como um
rio, como um rio.
Pelo que vejo hoje não começo
este texto. Talvez depois de um cigarro consiga pensar em algo. Vou aproveitar à
tarde. Quem sabe olhar pela janela os meninos e as meninas correr na rua e me recordar de uma época onde minhas dores eram pequenas perto do que sinto hoje. E
que poderiam ser curadas numa próxima banca de bombons. Quem dera hoje fosse
assim, uma bala curasse minhas dores e me fizesse rir e brincar com os demais
como se nada tivesse acontecido.
Há uma revolução lá fora. Silenciosa.
Sim, vem de vários lugares. Como uma grande onda. Amedronta-me um pouco, pois
ainda não tenho um lado. Não sei ainda se devo escolher um. Talvez seja metralhado
acusado de espião, anarquista ou conservador. Será? Só sei que seremos todos
engolidos. Ninguém será perdoado. É sim, por que não há perdão para os seres
humanos. Somos tolos.
Volto depois, hoje não passei
da primeira linha. Estou um pouco tonto. Cansado. Vou voltar a cama e sonhar. Quem
sabe com algo bom, com o amor, com aquele rosto e sorriso lindo, com aquela
outra tarde que a beijei... Veja como somos tolos.
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