Nas esquinas da vida...

"Se o tivesse escrito para procurar o favor do mundo eu teria me ornado de belezas emprestadas ou teria me apresentado com minha melhor pose. Quero que me vejam aqui no meu modo de ser simples, natural e ordinário, sem afetação nem artifício: é a mim mesmo que pinto". (M. de M.)

sábado, 4 de agosto de 2012

Mudanças



... Na realidade estou buscando o início deste texto. Agora passa por minha cabeça uma infinidade de começos, mas nenhum deles é interessante o suficiente. Que tal começar por anteontem, quando quase morri. Ou por agora, que estou sentado no escuro sozinho. Meu avô sempre disse que quando começamos acordar de madrugada, andar pela casa, abrir e fechar a geladeira (sem querer nada) é por que a solidão chegou.  Ou será que tenho algo para resolver e não consigo? O mesmo disco toca, já sei as músicas que virão na sequência. Copos estão sujos no parapeito da minha janela. As roupas em pilas são montes no horizonte do meu quarto. Os livros marcados pela metade, com um  pedaço de papel, esperam o dia que a leitura seja continuada. Algumas moedas sob a mesa. Um único cigarro faz companhia a minha carteira. Mas nenhum um pingo de Martini.
Rolo na cama esperando o momento de redenção com os amigos, que cobram minha presença, mas só quero estar sozinho. Não por mal ou por que alguém é chato demais, fala demais ou o que seja. Mas por que vivo um momento de recolhimento. Quase automático. Já sinto que a textura da minha pele está mudando, minha voz, meu comportamento, meus pensamentos, meu paladar. Estou em transformação. Vejo no horóscopo semanal que preciso ter calma, que este momento passará em breve. Mas será que meus companheiros e amigos saberão me entender e esperar por mim, como um dia eu esperei por eles?
Que seja. Não os obrigo a nada. Bem que as contas do mês poderia me esperar sair deste transe transformador para chegarem a minha porta. Mas não. Continuam chegando e me fazendo lembrar que sou um sujeito civil que deve prestar contas com a sociedade que me concebeu e hoje rejeito, repudio, cuspo no prato, falo mal, crítico nas redes sociais. Cansado, me calo. Sou apenas mais um – assim penso. Prefiro escutar músicas de protesto e colocar excertos aparentemente interessante no Face Book (olha, ele é cult), do que ir para rua, de fato, mostrar que protesto e tenho raiva comigo de estar nesta bosta que não fede, mas me  besunta todo, até os cílios.
Sim, não sou pessimista. E porque não escrevo mais sobre morte, sexo, sujeitos do povo? Por que não quero. Já fui criticado, bem diziam que eu não escrevia nada com nada. E não escrevo mesmo. Ou melhor, ainda bem que escrevo. Hoje meu nada com nada me colocou aqui neste trono eterno de solitude. É impressionante sua falta de senso de humor. Desculpe-me por rir.
Bom, continuo aqui, sem saber como começar este texto. Enrolando, falando um pouco dos meus problemas e da minha frustração, e nada de começar. Sempre fui livre, sabe? Já gostei de compromissos, promessas eternas, responsabilidade, expectativas e tudo isso. Hoje não. Faça o que quiser, vá onde desejar, me leve ou não. Não deixo de te amar. A vida é isso, como um rio, que enche e seca, vai e vem, mata e alimenta. Conta história e silencia outras. Mas como seres humanos, nossas experiências constituem grande parte do nosso aprendizado e também nos moldam. E dado isto, para estar comigo não é preciso assinar nada, me prometer o que seja já sei que um dia vais embora, que um dia alguém mais interessante vai surgir... Enfim, como um rio, como um rio.
Pelo que vejo hoje não começo este texto. Talvez depois de um cigarro consiga pensar em algo. Vou aproveitar à tarde. Quem sabe olhar pela janela os meninos e as meninas correr na rua e me recordar de uma época onde minhas dores eram pequenas perto do que sinto hoje. E que poderiam ser curadas numa próxima banca de bombons. Quem dera hoje fosse assim, uma bala curasse minhas dores e me fizesse rir e brincar com os demais como se nada tivesse acontecido.
Há uma revolução lá fora. Silenciosa. Sim, vem de vários lugares. Como uma grande onda. Amedronta-me um pouco, pois ainda não tenho um lado. Não sei ainda se devo escolher um. Talvez seja metralhado acusado de espião, anarquista ou conservador. Será? Só sei que seremos todos engolidos. Ninguém será perdoado. É sim, por que não há perdão para os seres humanos. Somos tolos.
Volto depois, hoje não passei da primeira linha. Estou um pouco tonto. Cansado. Vou voltar a cama e sonhar. Quem sabe com algo bom, com o amor, com aquele rosto e sorriso lindo, com aquela outra tarde que a beijei... Veja como somos tolos. 

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