Nas esquinas da vida...

"Se o tivesse escrito para procurar o favor do mundo eu teria me ornado de belezas emprestadas ou teria me apresentado com minha melhor pose. Quero que me vejam aqui no meu modo de ser simples, natural e ordinário, sem afetação nem artifício: é a mim mesmo que pinto". (M. de M.)

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Chaves azuis


Desci do ônibus por volta de dez da noite. No fone escutava o trecho “a gente não tem cura...”, Vai levando de Chico Buarque. Pensava no final de semana, que tinha sido bom por demais. Volta e meia, vinha-me na cabeça as conversas de bar, o samba de rua, a chuva, o cheiro de cachaça e cigarro na roupa. E aos pouco esquecia ele.
Ao cheguei em casa, os cachorros estavam soltos. Pensei que a tranca estaria na porta. Mas para minha felicidade, não estava. Entrei. Saudei os meus, que desde sexta a noite não os via. Entrei no quarto. Percebi a mesma bagunça, o sujo no chão, as sandálias amontadas, a garrafa de cachaça vazia, os livros empoeirados e duas chaves. Aquelas eram estranhas no meu ninho. Não as conhecia. Demorei por dar por mim. Rodei pelo quarto tentando entender as duas chaves abandonadas ali. Fui ao banho. Andei pela casa. E quando voltei. Sentei. As observei novamente e finalmente me atentei.
Ele havia as deixando para trás, junto comigo. Senti um aperto do peito. Quis refletir e a culpa me tomou de conta. Fiquei imaginando o que poderia ter acontecido neste espaço durante minha ausência. Mas não pude. De imediato tomei o telefone e disquei o número já familiar de anos. Foram dez tentativas sem respostas. Imaginei a cena:  chamando... Ele apenas observou e uma lágrima caiu de tristeza e indiferença.
Fiz mal. Deveria ter retornado como disse. O que fiz? Pensei angustiada. Era tarde. As chaves deixadas para trás eram o sinal do fim. Tudo estava acabado. O tudo que deveria ter acabado há anos, acabou hoje. E as chaves? São minhas únicas amigas. Minhas lembranças se foram.
A televisão estava ligada, alguém falava de uma possível guerra civil na Líbia ou algum lugar assim. A vizinha discutia com seu companheiro. Os cachorros de casa latiam. Minha mãe falava com raiva de alguém do trabalho. E eu escutava, “... tu nunca mais vais voltar, vais voltar, vais voltar...”. Senti-me vazia e solitária. Tentei me punir, mas era um crime sem volta. Pensei: Quantas vezes isso fiz? O que poderia esperar? Perdão? Isso nem deus fará!

     

2 comentários:

Camila Travassos disse...

Simplesmente lindo.

(:

Barão da Ralé disse...

Obrigada Camila =D. Seja bem vinda ao Barão!