Olhou-me torto. Eram 5 da manhã. Tinha passado a noite em claro.
Entrei ainda cambaleando. Com a meia arrastão rasgada, batom borrado e sapatos na mão.
“Noite difícil?”, perguntou ele. Apenas assenti com a cabeça e passei pro quarto.
Naquele mesmo dia mais tarde bateu na porta me chamando para almoçar.
Sentei a mesa. Estavam todos lá. Mamãe perguntava com eu estava. Papai sério na ponta da mesa. Minha irmã folheando a revista, entre uma garfada e outra.
“Bem”, respondi. “Que bom, pois coma, deves estar com fome, fiz teu prato predileto”, disse mamãe com ternura.
Todos conversavam. Até papai ria e mal me olhava.
“Mais uma noite difícil meu amor? Você está machucado?”. “Não, estou bem. Só cansado. Andei muito. Estive com vários homens ontem e o salto ainda me mata”. “Sei bem, eu que sou mulher não aguento, imagine você...”, ela pensou no que tinha dito. “Desculpe meu filho, não quis dizer... e que você... você sabe...”. “Tudo bem mãe, entendo”. Ela beijou-me no rosto e deixou-me sozinho.
Deitei mais um pouco. Acordei por volta das 6 da tarde. Arrumei-me. Peguei a bolsa e sai. Na sala estavam papai e mamãe. Dei boa noite e só mamãe respondeu. Ele continuava vidrado na novela.
Caminhava pela rua de casa. Alguns me elogiavam. Outros me diziam obscenidades. Na rua era diferente. Era meu palco. Rebolava e empinava o corpo, sem a menor vergonha. Ia pra noite. Mais uma noite na vida que tinha escolhido pra mim.
Cheguei ao ponto, tinha ocorrido uma briga, estavam todas aglomeradas. Uma amiga havia sido machucada, cortada no rosto por outra com uma gilete. Chorava, ensanguentada, mal dizia a companheira de ponto. A noite ia ser movimentada, pensei.
Fiz alguns programinhas pela rua mesmo. Chupei um senhorzinho baixinho atrás da banca de revista. Trepei com um garotão de 20 anos, afoito e de gozo fácil no muro perto da construção. Era a única dali que aceitava isso. Porém, o melhor da noite viria quando um carro parou próximo de mim no ponto. Perguntou se estava disponível. “Sempre”, respondi. “Entre”, ordenou a voz.
Quando entrei e vi o rosto do meu novo cliente. Quis sair, mas ele não permitiu. Eu estava ofegante, assustado. Ele disse que deveria ficar calmo. Queria apenas conhecer meu trabalho. E que deveria tratá-lo como se fosse qualquer outro cliente. Era meu pai
Partiu dali me levando a um motel. Não tinha coragem de olha-lo. Tremia, chorava baixinho. E ele apenas dirigia. “O senhor vai me bater? Quer me humilhar?”, perguntava. Ele não respondia. “Me deixe ir!! O que ganhas com isso papai?”, continuei. Ele nada respondia.
Chegamos. Ele ordenou que saísse do carro. Fomos ao quarto. Nunca o tinha visto daquele modo. Percebia sua excitação nas calças. Meu medo logo deu vazão ao tesão. “O que o senhor deseja?”, perguntei olhando em seus olhos.
Ele avançou.
Beijou-me.
Abraçou-me forte.
Mordeu-me.
Deu-me tapas.
Xingou-me.
Me fodeu.
Gemia alto. Arfava. Parecia querer aquilo há tempos.
Acabou. Jogou o dinheiro em cima da cama: cem reais.
Largou-me no motel, acabado, gozado.
Parti. “A noite continua”, pensei.
Sai zonzo.
Tinha acabado um programa com meu próprio pai.
Cheguei em casa no mesmo horário. Ele não estava lá me esperando como de costume para me julgar.
Na hora do almoço ele me chamou. “Tudo bem filho?”, perguntou. Abraçou-me. Mamãe estava feliz. Olhava para meu pai com orgulho. Aquele foi o primeiro almoço feliz que tivemos desde que assumi.
(Claro que achei estranho. Mas era muito bom me sentir da família de novo).
Fim de tarde fui atrás de explicação. Indagado, dobrou o jornal que lia, olhou-me nos olhos e disse, “Não tá na tua hora?”. Parti para mais uma noite. Sem minha resposta. E com uma certeza. Ele iria me encontrar.
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